quinta-feira, 21 de maio de 2020

Quando o avô Casimiro ficou parado em frente ao prato de sopa, com a colher já em sentido ascendente, estática e cheia de feijões e pedaços de couve,  a família,  reunida em volta da mesa, começou  a chamar por ele:
_ Paizinho, está a ouvir-me?_
_ Avô, coma que eu também tive que comer. Ó mãe. ele não está a comer tudo._
_ Ti'  Casimiro, cu, cu! Olha o aviãozinho!_ disse a prima Esmeraldina, entusiasmada, enquanto lhe tirava a colher da mão e a rodava aleatoriamente em frente aos olhos, como se alguém comesse com mais vontade por estar na presença de um avião enlouquecido.
Mas a verdade é que ele continuava sem  se manifestar, e muito menos fazer qualquer movimento. 
O esperto da famíla, o Gabriel, armado em doutor, começou com as suas palavras caras. 
_ Não há uma certa #lentidão nos seus olhos? Receio muito o que lhe possa estar subjacente._
_ Cala-te!_ respondeu~lhe o o tio Inácio, irmão dele da parte da mãe
_  Só me faltavam agora as tuas merdas. Abana-o aí, a ver._
Gabriel, sempre evitando responder no mesmo tom às rudezas do irmão, e como estava ali ao lado, deu um toque no ombro do avó Casimiro e ele foi resvalando da cadeira, tombando para o lado contrário, até se estatelar no chão. 
A tia Adélia levantou-se num rompante, nervosíssima,
_ Logo este fim de semana, que ia expô-lo na Bienal de Barcelos, é que ele me cai. Andava tão direitinho! tinhamos chance em duas categorias, "O velho mais direito da europa" e "o mais engraçado". Ai se ele não me fica em condições..._
_ Paizinho, está a ouvir-me? Ó Sãozinha, já viste, ele nem me responde. Paizinho! Falta acabar a sopa. Então?_ e, enquanto falava com a mulher, foi-se debruçando sobre o corpo para o observar com mais atenção. 
O Gonçalito, que não conseguia deixar de se intrometer, qualquer que fosse o acontecimento, já estava ao pé do avô, de espada na mão, joelhos na carpete e chapéu de pirata. Atravessou-lhe a espada que entrou por um ouvido e saíu pelo outro. 
_O avô está normal. Ontem a espada também passou bem por aqui._ anunciou.
A tia Adélia espumou de fúria e ia a gritar qualquer coisa, mas Gabriel, veio em defesa das crianças. _ Eles estavam comigo. Eu supervisionei._ 
_ Ah... O avô tem dois feijões secos enfiados nas narinas. Quem é que fez isto?_ exclamou o miúdo_
"Este Gonçalo é mesmo delator", cogitou Sara, a filha da vizinha, que andava sempre por ali. 
_ Fui eu, porquê? Qual é o problema? Já foi a semana passada e agora é que dás por isso. Parvalhão! Era para a ajudar a concorrer para "o mais engraçado, D. Adélia. Foi por bem._ e fez o  melhor sorriso inocente que sabia fazer.
A tia Adélia derreteu-se toda. Gostava mesmo da miúda.
_ Sim, querida. Não faz mal. Eu também já comprei um ramo de violetas para lhe coser à cabeça.
Gabriel, que gostava de ser o centro das atenções, começou a ficar danado com aquela gente toda de volta do pai.
_Olha, vamos levá-lo daqui. Sãozinha, onde é que o ponho?_
_ Ó homem, nunca sabes de nada! Na arca!_ disse Sãozinha bem alto, mas foi-se chegando ao marido e, discretamente, segredou-lhe _ Quando a Adélia se for embora, mudamo-lo para temperatura ambiente, que ele não se estraga, Isso são manias da tua irmã lá por causa das festivalices. E aquele espaço faz-me falta . Queres, Gonçalinho? _disse, virando-se para o filho, com um sorriso maroto e esticando a mão para lhe dar o apito que tirara do bolso do avental.
A criança ficou feliz. Adorava ir apitar para a rua.











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