domingo, 31 de maio de 2020

VELOCIDADE

São nove e cinquenta.
A manhã há muito que acordou.
Durante a viagem, do centro à periferia, tinha escolhido as palavras que julguei certas, mas, como sempre, temía que, ao chegar a casa, quando olhasse para trás, o livro não estivesse lá, pousado sobre o piano. Não posso perder nenhum. Eles andam comigo para todo o lado. Alguns são tão pesados que quase carrego às costas o peso do mundo, e é também neles que escrevo momentos de distração, com rabiscos descuidados.
Curiosamente, perseguia-me a composição de uma ideia, daquelas com pés e cabeça,
Os livros andam sempre comigo, muito embora me obriguem a um  esforço suplementar  e me atrapalhem os movimentos.
Contudo,
aranhas mortas passam a esconder-se em pequenos quadrados amachucados de guardanapo, como se nunca ninguém o tivesse descrito, ou efetivamente valesse a pena fazê-lo, e é isso que aponto num canto de papel em branco, porque há sempre lugares de papel em branco nos livros, que aproveito, até ao dia em que morro e deixo de inventar.
O discurso incoerente começa a fluir, e é escrito rapidamente nessas folhas. A história empolgante cavalga pelos campos, ou pisa os passeios de marfim da cidade de pedra e toda a gente anseia por encontrar a página seguinte, para perceber a que se deve um  desgosto tão profundo ou mesmo uma alegria tão poderosamente estimulante e vigorosa. Então, acabamos um e começamos outro.
É impossível resistir.
Mas, para que se prossiga, é necessário ir até ao fim, sempre até ao fim, mesmo dos acontecimentos que nada nos dizem.
Adquirem-se aleatoriamente, usam-se, e arrumam-se  no  caos, não é a ordem que lhes dá corpo, nem que os engrandece.
São precisamente dez e vinte e quatro, quando descubro, à #velocidade estonteante de algo muito urgente, que preencheram as paredes que eu própria acabei de elaborar, com centenas de volumes, em detrimento de verdadeiras utilidades, por exemplo, numa prateleira onde antes estava o microondas, havia-os agora, deitados uns sobre os outros, rendidos, já, do esforço de serem lidos, talvez...
Muito se passava debaixo da luz amarelada dos candeeiros, mas o quê?
E estavam escritas as palavras certas, para que os pensamentos vogassem, indefiniveís e autênticos, à procura de serem lidos. vorazes como animais esfaimados, caçando solitariamente.







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