terça-feira, 26 de maio de 2020

#Ressonâncias


A cabeça pendia-lhe do pescoço
como se tivesse adormecido
dentro de um dos livros verticais,
arrumados nas prateleiras.
Até os óculos, de hastes metálicas,
lhe caíam, em câmara lenta, pela cana do nariz.

Ainda tivera entendimento para lhe gritar:
_É... Tu! Vai conversar ali com aquela
que está dentro do barco, sobre o armário.
Eu não tenho tempo para fantasias!_
mas depois, adormeceu.

Andava verdadeiramente incomodado
com a sua busca de inspiração nos sonhos,
um encanto doentio que lhe provocava
tantos dissabores.

A verdade é que a cadeira balouçava
sem que nada, nem ninguém,
lhe provocasse
os movimentos basculantes.

As árvores centenárias abraçavam-se
e bichanavam
palavras mornas umas às outras,
mas o sono impedia-o de as ouvir.

Quando assim adormecia,
segmentos de reta de colares
de pequenas contas
projetavam-se para se arrumarem
de outra forma,
com a precisão milimétrica
que os poemas
ocupam numa página aproveitável.

Muito devía
a um certo encantamento na paisagem,
que lhe atravessava a pele, vindo de lugar nenhum,
ou...
talvez viesse do poente extraordinário
que se manifestava, indiscutível e real.







Margarida Diplidénia acaba de chegar do #Quénia.
_Trago sempre um leão._ anuncia. _Gosto destes caprichosos reis da selva. Este é muito jovem,mas tem-se mostrado bem mais calmo, ultimamente.  Refreou-se-lhe mais aquela vontade de trincar tudo o que mexe e usa uma tiara de flores do campo, sempre que as há. No inverno, balda-se de minha casa, da casa da ministra, veja só! Percorre o jardim, salta o muro, brinca um pouco com as abelhas na savana gelada que lhe fazem cócegas ao espetar o ferrão de umas no focinho do outro,  e ele ri-se, como um pateta.
Quando se aborrece de estar ali, aí sim, inicia a sua grande aventura pelas montanhas cerradas de floresta. para apanhar os melhores medronhos de toda a  região transcendentorial. que só crescem lá no topo dos topos, onde até os pássaros têm falta de ar.
Senta-se numa cadeira de baloiço ali abandonada por seres extraterrestres, que a lá deixaram  na perspetiva de voltar um dia para descansar naquele local aprazível, e adormece.
Dorme ali uma sestinha, e depois volta, com ar comprometido.
São tão inteligentes! E gulosos!













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