sexta-feira, 10 de maio de 2019

Xabrega


Laura não queria ser apresentada à criatura.
Não porque tivesse muito medo, mas antes porque isso a iria impedir de  brincar com os outro meninos.
Tinha que ficar ali parada, em pé, de mão dada com a mãe, e receber festas na cara daqueles dedos angulosos e disformes que mais pareciam garras.
Quando olhava diretamente para ela, via saírem-lhe pequenas faíscas das órbitas vazias, e, para Laura,o seu cabelo eram larvas que dançavam presas ao couro cabeludo, movendo-se com vida própria, apenas querendo enganar os outros, passando por  cabelos compridos, e verdadeiros, ao sabor do vento.
Os seus dentes afiados ainda continham pedaços do último animal estraçalhado, talvez um pequeno roedor ou um ser humano mais frágil, porque a tia Rosa não comia carne, esquartejava-os apenas pelo prazer de matar.
Laura não tinha receio, estava habituada à família, mas sentia-se muito aborrecida, obrigada a suportar aquelas conversas de adultos.
Olhou mais de perto, e viu fios de sangue que lhe escorriam pela pele borbulhosa e nojenta das faces.
"Cumprimenta a tia Rosa #Xabrega, Laurinha!", insistia a mãe,
"Laurinha, minha querida, como cresceste!" pronunciou o monstro com a sua voz desumana e forte, o que obrigou Laura a agarrar-se  a uma árvore para não voar com o grito  do ser maléfico, que tinha o poder de arrastar todas as folhas soltas e levantar nuvens densas de poeira.
As árvores mais velhas começaram a ceder pelas raízes, e a violência da tempestade provocada transportava  todo o tipo de coisas soltas.
"Cumprimenta a tia Rosa, Laurinha!", já mal distinguia a voz da mãe, tal era a intensidade
do que se passava à sua volta.
Foi quando a criança, felizmente, acordou da sesta.





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