sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Inundação

Foi a #inundição que obrigou o poeta
a fazer grandes poemas
e a ter sonhos pequenos,
ou a ter grandes sonhos
e poemas pequenos,
imersos.
A água arrastou a tranquilidade
para longe,
já o caudal do riacho não levava
os patos em passeio
seguidos dos seus filhos.

Só no cimo da vila
a tragédia  não devastou,
lá no alto,
onde estava a fonte,
ou o banco sombreado
pela oliveira,
e onde tinha gravado o seu nome
irrelevante e abstrato,
e que pintaram de novo.
Mas a tinta líquida,
e de secagem rápida,
preencheu todos os sulcos
e ranhuras.
e, num ápice,
tornou homogéneo
o aspeto da madeira.

Mergulhou nas entrelinhas.
Lembrou-se dos anjos
que intervinham
de noite,
rodeando as camas,
das palavras que nem procurava,
mas que vinham ter com ele
por vontade própria.

Os corpos inventados surgiram
á superfície, boiando
numa ondulação
intensamente azul
que não conseguiria voltar
a escrever,
e ficou imóvel, observando
a folha perene jazendo
numa poça de lama.

Os peixes rodeavam as pessoas,
estáticas e verdes,
e, enquanto as algas ondulavam,
as suas bocas fechadas produziam
sons inaudíveis
que atraíam os golfinhos.

O mar regressava invadindo
o que era seu.


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