quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O Ouriço

Hoje, logo pela manhã, recebi um telefonema da senhora que é vizinha da minha avó, e que também vai olhando por ela.
Disse-me que ela não estava nada bem, e que era melhor levá-la ao hospital..
Pedi à patroa para sair, prometendo que compensava as horas noutro dia. Fez um ar contrariado. Podia sair, mas acabava o que estava a fazer, e depois sim, que fosse à minha vida.
Apanhei o autocarro, e quando vagou um lugar sentei-me a comer o pão com manteiga que trazia na mala.
Fui a pensar que sei muito bem que ela precisa de mim. Pior, só me tem a mim, por isso tenho a obrigação de tomar conta dela. Também os meus filhos me têm a mim,o meu homem me tem a mim, e a minha mãe, que já não é muito nova, me tem a mim. Todos me têm menos eu. Eu não tenho nada de mim.
Quando cheguei lá a casa, percebi que a velhota não estava nada bem, mas algo me impediu de chamar uma ambulância, e resolvi gastar um bom dinheiro num táxi, para a levar ao hospital.
À entrada da urgência sentei-a numa cadeira, na sala de espera, com a cabeça apoiada a uma parede lateral, para que ficasse amparada, porque me pareceu muito fraca, e fui fazer a inscrição.
Não sei o que tinha, na altura, em mente, mas a verdade é que inventei um nome para ela e outro para mim. Queriam os documentos, mas eu fiz um choradinho, roguei que me inscrevessem a senhora, e esse exercício de vestir outra pele soube-me muito bem. Assim fizeram, mediante a promessa de atualizar os dados logo que fosse possível. Confirmei e agradeci..
Nos hospitais não querem que ninguém morra, não sei porquê.
Ficou internada, com uma pneumonia, segundo-me disseram, já cheia de complicaçôes. e recomendaram-me antes de eu sair: " se ela resitir, precisará de cuidados especiais. Pode assumir esses cuidados"? "Claro que sim"! respondi.
Ainda consegui chegar a tempo à casa onde trabalho de tarde. Pelo caminho vi um ouriço esborrachado na estrada.
Vou fazer de tudo  para que não consigam decobrir quem eu verdadeiramente sou.

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