segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Abóbora (EI)

Debaixo da #abóbora, que eu apanhei do chão logo pela manhã ainda escura, estava uma minhoca.
Era bem bonita, e os seus olhos grandes e pestanudos olharam para mim, enquanto se espreguiçava esticando o corpo segmentado até conseguir equilibrá-lo no ar.
"Que horas são"?
Não é nada hábito que, quando vou apanhar abóboras, se ouçam vozes a saír da terra. Nada havia, por ali, que tivesse a capacidade de falar. Estava rodeada apenas das ditas abóboras e das suas folhas secas, um pouco mais à frente meia dúzia de tomateiros, uma oliveira, e um carreirinho de alfaces.
"Que horas são"?
Voltei a ouvir a mesma pergunta, mas desta vez a voz pareceu-me diferente, e provir de um outro lugar qualquer.
Confesso que comecei a ficar assustada.
Não via ninguém,  a pergunta, a essa altura, já se repetia por todo o quintal, e, estando completamente sózinha, comecei a ficar muito desconfortável.
Foi quando ouvi umas risadinhas, e, ao olhar para trás, consegui distinguir com alguma dificuldade uma sombra que me era mais do que familiar.
"Ah, és tu! Assustaste-me! Não tínhamos combinado já que só podes assombrar à noite? Não se pode confiar em fantasmas. Eu já sei isso há tantos anos, e continuo a insistir..."
"Não vês que estou baralhado com as horas? Que mau feitio"!
Desapareceu, e. pelo que me apercebo agora, muito zangado, porque nunca mais o vi.

Sem comentários:

Enviar um comentário