quarta-feira, 15 de julho de 2020

O Pântano

Esta madrugada, no lento amanhecer da insónia, recordei, mais uma vez, os primeiros e felizes tempos em que vivi neste maldito lugarejo..
A agência tinha-me mostrado uma  vivenda térrea com um ar muito simpático, nem muito pequena, nem muito grande, com um jardim de tamanho ideal, para poder cuidá-lo sem, perder muito tempo com a sua manutenção. com uma ou  outra árvore de fruto, buganvílias já em idade adulta o suficiente para encherem de flores  o cenário que imaginava nas minhas conjeturas  sobre a casa que habitaria nos próximos anos.
O portão verde escuro compunha o jardim como se fosse uma joía pendurada num pescoço elegante.
Em suma, reunia as condições necessárias, para além de que se me revelava de pormenores encantadores, pacificando o espaço que haveria de ser o meu refúgio.
O preço que me pediam por ela também era tentador, tinha, portanto, demasiadas vantagens para que deixasse passar a oportunidade.
E assim aconteceu. Agarrei nos meus tarecos, mais que muitos, e mudei-me para lá tratando, quando cheguei, em primeiro lugar, de cuidar do jardim e espalhar pela casa a minha coleção de livros  por, de forma natural e inconsciente,  serem essas as minhas prioridades.
A zona em que se incrustava era belíssima. Muito arborizada, conseguia manter enorme privacidade, impedindo os olhares indiscretos, por um lado, e por outro, formando quase um bosque urbano em que as casas e os seus habitantes se perdem do resto do mundo, permissas às quais  não deixei de prestar a maior atenção.
Havia, virado a norte, por detrás de uns pinheiros acinzentados e escuros,  um pântano cinzento, não muito grande, o sol desaparecera instantaneamente, no momento em que os ultrapassei. Não estava ninguém naquele lugar em particular, mas nem isso me alertou, já que naquela aldeia via-se pouca gente. poucos  carros circulavam e, os que o faziam, contornavam os altos pinheiros mansos circundantes, as pessoas evitavam-no e também evitavam falar dele.
Foi por mero acaso que me deparei com a verdade. Escondia atrás do
No início, convenci-me que se tratava apenas duma questão estética, era um lugar tão inconcebivelmente feio, onde o sol não entrava, tive ocasião de o comprovar nas escassas vezes que lá fui em passeio pedonal, movida pela curiosidade, até ao dia em que percebi o caráter perigoso dessa minha curiosidade,
Em boa verdade, não sou grande amiga da noite. O escuro incomoda-me, e, mesmo quando a lua cheia julga intercetar  alguma cor para os meus olhos, mesmo assim, tudo me parece falso e lúgubre.
Todavia, não é o medo que me impede os passos pela escuridão, ao contrário, serve até, bastas vezes, de catalizador para outras realidades que por aí andam,  e por isso resolvi fazer uma visita noturna à quela mancha de líquido viscoso, tentando, na minha ingenuidade, perscrutar o que de tão bizarro havia com o local mencionado. nada fazia crer que de água se tratasse, tamanha era a opacidade  da sua superfície completamente imóvel e insondável que se espalhava misteriosamente formando uma língua pelo espaço entre o arvoredo.

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