segunda-feira, 15 de junho de 2020

O Poema Nascia, Mal Construído

Primeiro, o poema nascia, mal construído, explodia em frases atabalhoadas, sem propósito, ou continuidade.
O homem mirava as palavras só pelo prazer de as mirar, como um observador do esvoaçar das borboletas.
 Até lhe faltava o fio para fazer colares, ali sentado no muro de pedra que serpenteava por toda a vila, sinuoso.
Quando chegava, pendurava distraidamente, o lenço de seda no cabide metálico, que ainda hoje se encontra mesmo na entrada de casa, e fechava a porta da rua para a não abrir tão cedo.
Nem lhe importava ver nascer o sol, dava pelo seu nascimento, porque se estampava na parede contrária.
Enquanto preparou uma refeição rápida, qualquer coisa de dez minutos, não mais, o tempo estava demasiado cheio de comida inevitável, de sumos de laranja doce que circulavam, viscosos, como se imprescindíveis para o organismo, fechou, maquinalmente, as cortinas. Para travar o sol  na sua brusquidão, e fazê-lo passar mais leve, para o outro lado. o lado de cá.
Ato conseguido.
Reaparece, ao de leve, com o  formato alterado das flores #ocres do estampado do tecido.
Havia no fulano uma certa contrariedade. uma dor solitária que se percebia nos seus olhos, com os melros verdadeiros cantando e voando em falsos arabescos, mas prestando-lhe a máxima amizade possível.
Eu percebia serem apenas meia dúzia de versos que por ali andavam, os versos da manhã luminosa que o devoravam às primeiras horas do dia, vorazes.
O café estava preparado sem a sua intervenção. Materializara-se, fumegando, na cozinha e ele sentava-se para o beber.
O verde ia carregando, à mesma medida que verão passava,  pelas janelas abertas, de um ao outro lado da casa respirava-se ar. que era o tempo relativo da vida, e que se atravessava na paisagem costumeira, abanando as asas e enchendo de oxigénio a atmosfera.
Depois do café, uma pausa para olhar. com olhos de ave, a árvore que o acompanhava, ano após ano. Eram infundadas, as afirmações de que as últimas se mantinham imóveis para sempre,
O poema surgiu, enrodilhado em si próprio, num caos de cordas caídas de um dos troncos. e, simultaneamente, na estrada lá ao fundo,  uma bicicleta era conduzida por si próprio, alguém usava  o seu capacete laranja, protegendo a cabeça. Reconhecia-o de outros lugares, daqueles que se esfumavam na memória.
Cada caixa, sua história.
Cada estante, de prateleiras pretas, continha entre dez a vinte livros, no lugar mais fundo, para estarem escondidos do sol maldito, que lhes comia as lombadas, inevitavelmente.
Muitas horas depois,  cirandava pela noite fechada a sete chaves, limitada pela escuridão, nem se apercebeu  já não haver imagens decalcadas na tinta branca, indícios de recados esclarecedores de que os dia vão morrendo, um de cada vez.













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