domingo, 23 de setembro de 2018

Inicial, ou #Zamora

Ainda vinha muito ao fundo, já eu sabia que era ele.
Tinha  passos de corcunda, pequenos e frágeis, como se tivesse medo de cair, ou como se o corpo não acompanhasse a sua vontade de se mover.
Quando  me detetava, parava o  andar vacilante e acenava-me com a mão direita, enquanto o braço esquerdo pendia, inanimado, ao longo do corpo magro.
Era um homem velho, ou, se quisermos ser mais delicados, por um lado, e por outro seguir as normas da boa linguagem, respeitadora e atual, um idoso.
Um idoso sem história, que passeia, dentro do que as suas capacidades lhe permitem, pelas ruas de Lisboa.
Já nem as gargalhadas que deu, em tempos, tinham a mesma sonoridade.
Eram fracas, tão fracas que , quando ria, ninguém reparava que se estava a sentir bem disposto. Simplesmente não se ouviam, sob aquele ruído infernal da cidade, ou sob os gritos de alegria das crianças no recreio da escola.
Essas crianças que haverão de crescer, tão rápido que elas crescem, até os seus risos deixarem de ter força, abafados pelo ruído dos automóveis, dos autocarros, ou de outras escolas, onde pulsa a vida, e onde brincam os futuros homens e mulheres, que um dia alguém verá lá ao fundo, a dobrar a esquina, com os passos claudicantes, e os olhos azulados pelo tempo.
E terão um dos braços caído ao longo do corpo, e uma das mãos acenará para alguém que, se lembre, como eu,  que #Zamora existe,  ou alguém que, venturosamente, os possa também conhecer.








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