quarta-feira, 28 de março de 2018

O menino azul

Era uma vez um menino azul.
Não era assim de nascença. Quando veio ao mundo até tinha uma pele muito rosada e vulgar nos recém nascidos, mas uma doença rara deixou-lhe esta sequela, mais rara ainda do que a própria doença, devo dizer.
Para além de tudo, não era um azul qualquer. Era um azul forte, intenso, opaco, como se lhe tivessem despejado uma lata de tinta por cima, daquelas de pintar as paredes das casas ou restaurar velhos e antiquados móveis de madeira.
Se não saísse de casa, o miúdo conseguia esquecer a sua cor anormal que lhe causava, não direi um verdadeiro problema, hoje em dia as pessoas são mais tolerantes às diferenças, mas talvez um certo mau estar. Calçava umas luvas, logo de manhã quando se vestia, e, desde que não se visse ao espelho, ele próprio se esquecia daquele azul incómodo que lhe cobria o corpo. mas bastava passar perto de uma superfície refletora, ou uma das mangas da camisola subir um pouco, para que tivesse consciência da sua diferença em relação às outras pessoas.
Apesar dos cuidados da mãe para que fosse feliz tal e qual como era, o miúdo começou a interiorizar aquele seu desajuste, e, mesmo quando ia passear no seu #jardim preferido, por ser pouco frequentado por gente, para falar com um velhote cego que estava sempre sentado no mesmo banco nos dias de sol, gostava de falar com ele porque o senhor não o podia ver, não deixava de pensar: "eu sou azul, eu sou azul, eu sou azul".
Um dia, o homem, estranhamente, desviou a conversa para a sua cor. A criança ficou espantada, porque, sendo cego e nunca lhe tendo ele contado da sua diferença, não percebeu como podia ele saber.
"É o teu reflexo que dá cor aos nossos céus,  Um dia, quando fores muito velhinho e morreres, o teu coração, que quer tu queiras ou não, tem o mesmo tom que tu, subirá muito alto até se estilhaçar e os
 seus pedaços pequenos, as suas partículas azuis, darão, durante muito tempo, calor e conforto aos outros. Viverás assim duma forma diferente, mas mais tempo e mais feliz do que a maioria das pessoas".
Mas o miúdo, não queria ser diferente, nem para melhor, nem para pior, queria, como todos os miúdos, ser igual aos outros.








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