quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Juan

Porque os miiúdos ouvem tudo, percebendo a maioria das coisas, #Juan tinha a perfeita noção do que os adultos faziam quando viam um desenho de criança. Agarravam nele, olhavam-no demoradamente, primeiro diziam, está muito bonito, estava sempre bonito mesmo quando não estava, e depois ficavam atentos e concentrados numa avaliação mais rigorosa dos pormenores.
Por isso se entretinha a ludibriá-los, desenhando, nuns dias, árvores e flores coloridas com um sol disparatadamente amarelo na parte superior da página, e noutros, monstros abomináveis, de garras e presas afiadas, e, ao finalizar os últimos, preenchia-os enchendo  o papel com uma chuva de riscas cinzentas, carregadas até quase partir o bico do lápis.
Um dia, apenas por questões de variação, resolveu misturar o feio com o bonito, e ao lado de uma árvore de copa verde, mas vazia, colocou a família de mãos dadas, substituindo um dos elementos por um ser horrendo, mas inexpecífico, como, aliás, eram todos, por estarem mal desenhados.
Como cada um deles deduziu tratar-se não de si, mas de outro, sendo que havia uma tendência maior, por motivos obvios, para reconhecerem naquela figura traços da avó paterna, Juan foi considerado, finalmente, um puto equilibrado.

Sem comentários:

Enviar um comentário