terça-feira, 17 de agosto de 2021

Avançar

Residia, na copa de umas árvores  que cortaram por aqui, um belo gigante da floresta, talvez que tenha escapado, ou se tenha perdido quando a curiosidade por outros mundos o fez afastar-se um pouco para a serra, mesmo aqui em frente.
O meu lado racional apontava, bastas vezes, para uma ilusão de ótica, ou, até, e pela consciência  plena de que  gosto de inventar  histórias, tratar-se  apenas de fruto da minha imaginação,  mas quando ele lá  permanecia, após os verões de folhagem imensa, e mesmo nos invernos despidos, em que  só restam troncos e galhos esqueléticos e quase sem movimento, lá estava ele, de perfil carrancudo, enorme e silencioso.
Durante muitos anos fez-me companhia, na sua vida silente, apenas incitada pelo vento, de quando em quando, mas não sou pessoa de não  perceber a diferença  entre a linguagem de um mítico gigante e o murmúrio de uma corrente.
Quando as árvores  foram cortadas, o meu desgosto foi grande. Imaginei o pior, vê-lo a morrer lentamente, prostrado  no chão, porque iria morrer abraçado às árvores, que têm, como sabemos, uma forma vagarosa de morrer.
Mas como a memória se prende com o #avançar  do tempo, e a minha não  é  exceção, fui esquecendo a minha companhia, 
Certo dia, num dos meus passeios por esta bela serra onde me agreguei, espero que para sempre, admirava eu os velhos plátanos, a sua beleza notável e majestosa, numa certa distração,  pois quanto mais acedemos àquilo que é formidável, menos o valorizamos, reparei por acaso, na forma sugestiva de uma daquelas belas árvores.
Nem tão pouco me recordava de ter concebido, naqueles dias desoladores após o abate, a possibilidade de fuga de tão extraordinária  criatura que sempre acompanhou as minhas reflexões, os meus silêncios, a minha tranquilidade.
Contudo, lá  estava ele, vivíssimo e grandioso, e disponível  para quem o quisesse ver.

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