sábado, 7 de agosto de 2021

Cidalinha

Cidalinha estava sentada na varanda, numa espreguiçadeira grande de mais para ela. Mesmo sentada de lado, os pés ficavam-lhe pendurados, para aí a quatro centímetros do chão  e ela esticava-os para tocar com a ponta dos dedos na lage fria.
Quem a olhasse, e conhecesse razoavelmente as crianças,  percebia-lhe os movimentos automáticos e distraídos, seguramente com a cabeça noutro lugar, mas porque os cabelos em desalinho lhe tapavam a cara, era quase impossível perceber a sua testa franzida e o seu ar concentrado em pensamentos que  nada tinham que  ver com o gesto automático de balouçar as pernas.
A mãe chegou-se à ombreira da porta e olhou para ela. Era das raras pessoas no mundo que não  tinha necessidade de olhá-la nos olhos para a perceber. Bastavam-lhe as costas ligeiramente curvadas da miúda, ou os bracitos esticados com as mãos  presas na estrutura da cadeira, e mais outros pequenos sinais quase invisíveis, mas que adicionava mentalmente, para, sem esforço, lhe ler os estados de espírito.
Acocorou-se junto a ela e afastou-lhe o cabelo, que desde sempre insistia em revelar-se selvagem, dos olhos perdidos num qualquer aborrecimento de criança, a preencher, enorme, o seu pequeno universo.
Anos volvidos, reparo que  ganhei um belo arbusto florido de uma ponta que  roubei, já faz um tempo, no muro de um jardim.
Novelos corados de lilás formam-se da simples aproximação das suas flores diminutas, fazem-me ir buscar palavras aos confins dos infernos, desassossegam-me tanto... 







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