terça-feira, 6 de julho de 2021

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Doméstico estava sentado num banco de pau, com um cotovelo apoiado na mesa improvisada com caixotes, o único mobiliário que podíamos ver naquela pequena casa. A um canto, duas crianças  brincavam com um trapo que outrora houvera sido uma touca do avô Natércio, mas que agora era o único brinquedo que os dois irmãos  possuíam.
O velhote resistira a todas as pragas possíveis, e ali estava, olhando o filho que por sua vez olhava o infinito.
A bela dama aproximara-se da porta, batera delicadamente com os nós dos dedos na madeira, esperara uns segundos, mas como ninguém  abria, voltou a bater, desta vez com um pouco mais de força.
Dentro da barraquita, Doméstico, alheio a tudo, não  ouviu bater. As crianças,  tendo herdado os genes do avô, e concentradas na sua brincadeira tão  bem elaborada, e que consistia em acertarem um no outro com a velha touca encharcara,  não  ouviram nada também, tal como o idoso que dormitava no chão, enrolado num cobertor tão sujo como ele próprio. 
Isabel insistia em que lhe abrissem a porta, mas os  nós dos seus dedos já sangravam, e não conseguia fazer-se ouvir. Olhou à sua volta e descobriu um tronco de eucalipto que lhe permitiria dar uma pancadas mais fortes, até, se necessário  fosse, rebentar com a porta.
Natércio acordou revigorado da sesta. Talvez por isso, se apercebeu do barulho e agarrou no cajado que tinha sempre consigo, para avisar o filho tocando-lhe com a sua ponta nas costas.
Ninguém poderia supor, ao ver tão frágil criatura, a determinação  que tranportava consigo,  mas a generosidade, por vezes, alimenta-nos de uma força  extraordinária e a verdade, verdadinha, é que a delicada senhora partiu a porta em dois e viu-se aterrada no meio da casa.
A família de Doméstico bem conhecia a quela criatura angelical e santa. Sempre que por ali passava era para os ofertar com pequenos e úteis presentes.
Isabel largou o tronco do eucalipto no chão, que rolou até  acertar em Natércio.
_Olá, Doméstico e família. Como passasteís nestes últimos tempos? Tivesteís muita fome? E frio? E doenças? Trago-vos o que  consegui surripiar no castelo. O Dinis controla tudo o que eu escondo no regaço. Têm queijo da serra, pão, vinho, e um #ouvido para o idoso. Para a semana trago o outro._
_Obrigada, gentil senhora! Crianças,  cuidado! Não  acertem na D. Isabel!_ mas o aviso não foi a tempo e o projétil já  encontrara as faces da bela senhora.
A bondosa dama não  relevou o acontecido e prosseguiu aproximando-se de Natércio. Içou um pouco a saia comprida para melhor lhe tocar com a ponta do sapato.
_Levantai-vos da enxerga, para que vos enrosque este ouvido na orelha direita. Isso. Agora dizei-me. Estais-me a ouvir? Sim? Formidável!
E vós, criancinhas? Desejais acertar-me outra vez nas faces? Podeis, pobres anjinhos de Deus._
Doméstico tinha o peito quase a rebentar de gratidão. Bastava, pressentia, que Isabel ainda os agraciasse  mais uma pequena coisa, um amendoim por exemplo, e rebentaria mesmo, na verdadeira acepção das palavras, e os seus órgãos  internos espalhar-se-iam, despedaçados, pelo recinto.
E foi quando a bondosa raínha levou a mão ao bolso, exclamando:
_Trouxe destes já descascados, Doméstico. Ora comei uns quantos aqui comigo._
D. Dinis, que brincava às escondidas com dois ursos no pinhal de Leiria, ouviu, claramente, o grande estrondo.











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