domingo, 11 de julho de 2021

Toque

Hermínia lavava a roupa no tanque do quintal, quando ouviu alguém  abrir o portão do lado oposto da casa.
Apreensiva, abriu a torneira incorporada na parede, passou as mãos por água limpa, secou-as no avental e, a medo, contornou uma das paredes laterais da casa.
Sentada nos degraus junto à porta principal, encontrava-se uma pequena criatura, de pele verde e com uma grande cabeça, e de nariz minúsculo e olhos salientes.
Parecia, também, não  possuir boca, mas quando Hermínia o questionou sobre o que estava ali a fazer, a verdade é que uma grande boca se abriu como que por milagre e até foi possível perceber-lhe os dentes afiados.
Infelizmente, o seu linguajar era indecifrável, o que tornava o esclarecimento das coisas bastante difícil, mas Hermínia, na sua qualidade de artista plástica conceituada, embora em fase de  decadência, desenhava extraordinariamente  bem, pelo que convidou o estranho a entrar e a sentar-se na poltrona azul, enquanto ela ia buscar o material para poder comunicar com ele.
Com grande profissionalismo, Hermínia desenhou o cenário  em que se encontravam, fez uma enorme seta direcionada à figura do viajante, que também incluira na resenha, e foi encolhendo os ombros para que ele entendesse a interrogação.
Não  há  coincidências,  em boa verdade, e se as há é precisamente porque se dá uma qualquer coincidência  das que não existem, mas deixemos isso para depois, em todo o caso o nosso heroí verde era também, no planeta de onde provinha, um conceituado pintor e logo lhe pediu a caneta emprestada e fez o esboço  do corpo de Hermínia cortado em pedaços e guardado em sacos de vácuo acrescentando uma seta que apontava para a parte congeladora do frigorífico.
Conversa puxa conversa, e eles ali ficaram, toda a tarde, a mulher fez um chá e foi buscar uns bolos à hora do lanche, nos quais ele nem tocou, e, através  das folhas em branco do bloco de papel, contaram inúmeras coisas um ao outro enriquecendo-se mutuamente com novos conhecimentos.
O homem verde mostrou-lhe, a traços largos, a família que deixara no seu planeta, a nave espacial do presidente, onde figuravam, pendurados,  vários quadros pintados por si, e outros cenários de especial relevância. 
Hermínia ofereceu-lhe vários pequenos mimos para ele levar para os filhos, mas ele só aceitou um pacote de rebuçados e outro de gomas, que meteu dentro do organismo, através  de um bolso que não parecia estar lá, mas que se escondia inserido na pele.
Pareceu ficar muito entusiasmado com a coleçao de frascos com ervas aromáticas  pelo que Hermínia lhe deu tomilho e alecrim.
Já  a tarde ia avançada e o sol descia no horizonte com alguma rapidez, quando Hermínia ouviu claramente um #toque de trombeta. 
O estranho visitante pareceu ficar nervoso e levantou-se, começando a abrir todas as gavetas até encontrar os objetos pretendidos. Uma faca afiada e sacos o mais limpos possível.
A muitos anos luz daqui, lá para o fim dos fins da via láctea, neste preciso momento, uma mulherzina verde acaba de colocar no centro da mesa já posta um tacho de guisado cheiroso e fumegante, enquanto as suas crias rebeldes e esfomeadas batem uns nos outros com os talheres. 



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