terça-feira, 21 de junho de 2022

Dinossáurio

#Dinossáurio colocou-se atrás da última pessoa  na fila que se formara para entrar no autocarro.
 Pisou os degraus devagar,  respeitando a ordem criada, e subiu lá para dentro como constituinte daquela serpente domesticada, mas, para ele, o tempo não batia certo porque demorava, ora uns segundos demais, ora um tempo de menos, sem haver a sincronia essencial para que se adaptasse à recente condição de estranho no meio de desconhecidos.
 Passou pela máquina, introduziu o bilhete no obliterador e sentou-se assim que pôde num lugar à janela, para se refugiar na paisagem exterior e assim não ter de enfrentar ninguém.
 Dali, ia vendo a cidade que se movia movia através dos transeuntes, dos sinais inventados para o trânsito fluir nos cruzamentos, evitando assim os acidentes, através das montras tapadas pelos toldos onde, às vezes, se protegiam do sol crianças de mãos dadas com as suas mães protetoras, todos tão longe e distraídos  na sua azáfama diária que nem davam por ele.
Entraram e saíram umas quantas pessoas da viatura.
 Dinossáurio, o tímido, estava quase a chegar ao seu destino. Teria que se levantar, caminhar até ao varão metálico mais próximo onde se agarrasse e que contivesse, também, um aviso de stop para ele premir, dando a indicação necessária ao motorista para acionar a abertura da porta,  e então a campaínha soaria muito alta, e os passageiros, atentos, dariam pela sua presença, teria que suportar os olhares durante os oito passos infinitos até  atravessar a porta automática e sair para o ar livre. Aquele som seria fatal, chamaria a atenção de todos e a janela estaria longe para que pudesse refugiar-se nas suas características de fronteira transparente onde colasse a testa para ver através do vidro. Iria ficar exposto como se estivesse nú. 
 Levantou-se com constrangimento. Só lhe restaria o chão  para observar, assim houvesse chão  até ao final do acesso à porta para a liberdade.
Acabara o seu caminho habitual,  de quatro paragens.
 Ergueu-se do acento perseguido pela culpa, a culpa grande, a maior de todas.
 Tinha ruídos de eletrocoisas nos ouvidos, enquanto houvesse sol, havia barulho, audiomotores, ciclopneus a raspar no asfalto e gritos de sirenes, comboios violentos atravessados nos passos das vidas das pessoas.
 A mulher velha de vestido verde fixou a mão do homem a dirigir-se ao botão  de stop, percebeu-lhe o braço a descolar do corpo, esse braço a inventá-lo muito maior do que podia, ou queria, alguma vez ter sido, aumentando-lhe o perímetro da existência assustadora e gigante.






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