sexta-feira, 3 de junho de 2022

Era uma vez um burro, um pavão e uma cangurua que viviam na mesma quinta.
O burro entretinha-se,  pelo dia fora, a dormitar em silêncio. Viam-se-lhe os olhos pestanudos a esmorecer, até quase fecharem. De quando em vez lá  se lembrava de pastar um pouco, e então dobrava o pescoço no sentido descendente e enfiava o focinho na erva fresca. De resto, nem uma palavra, só zurros quando se lhe prendiam nas voltas do intestino algumas palhas fibrosas, mal escolhidas da terra e inadequadas à sua dieta.
Por sua vez, o pavão, embora estivesse, por força dos mandamentos da natureza, impedido de falar, pelo menos lançava uns gritos agudos que trespassavam os ouvidos de qualquer um, gritos audíveis a uma distância  considerável, mas palavras, palavras propriamente ditas, ele não era capaz de as dizer, de forma que abria as penas da cauda carregadas de profirinas e ali ficava, equilibrando o corpo azul brilhante no chão incerto e mole por causa dos aguaceiros.
A cangurua tinha três filhotes na bolsa, tão pequeninos que mal se viam, e, talvez por esse motivo, pela atenção constante que tinha que dispensar aos seus bebés, também  se mantinha em silêncio  concentrado e responsável, e para mais que nenhum daqueles dois queria conversar, o burro dormia, ou pastava, e o pavão, ora gritava, ora abria em leque a sua cauda extravagante.
Nisto, e inexplicavelmente dada a paz habitual dos seus dias de animais de quinta, os bichinhos tiveram uma belíssima surpresa. Um anjo de asas grandes e brancas desceu dos céus à terra e colocou-se entre os animais.
O burro foi o primeiro a sentir a angelical presença. Deu um zurro um pouco diferente dos habituais por não  saber como traduzir em burrês semelhante visão, mas, ainda assim, despertou a atenção  da cangurua, que ficou desconfiada da criatura, não sabendo se ela poderia interferir, e como, se para o bem se para o mal, na sua gestação.
Quanto ao pavão, simplesmente invejou a natureza bela do anjo, enquanto esperava pelo desenrolar da situação.
_Não temeis, venho por bem. A partir deste momento os animais podem falar!_
As três criaturas entreolharam-se, admiradas, mas o burro foi o primeiro que tentou a sua sorte com a nova capacidade que lhe estavam a oferecer.
_Porra! Que fixe!_ disse bem alto, ainda muito influenciado pelo som da sua voz zurrante, mas já  com grandes espectativas para a possibilidade desta nova forma de se expressar.
O anjo, ao ouvi-lo, perdeu o seu semblante pacífico  e mostrou-se bastante tenso.
_Então eu permito-te que fales e tu vais logo começar com um palavrão? Não. Isto não é boa ideia.
E assim como apareceu, eclipsou-se no ar, deixando os três sem palavras.
Com a sua visão binocular de grande alcance, o pavão viu algumas penas brancas de anjo, caídas ao lá ao fundo, ao pé da cerca e preparou-se para as ir buscar. Com o bico, apanhou-as e colocou-as em si, para ficar ainda mais bonito.
Só os três bebés canguru, talvez porque o anjo não fosse tão intransigente como quis deixar transparecer,  aprenderam, mais tarde, a falar.









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