sábado, 17 de abril de 2021

Tinha um fato rosa às bolinhas brancas, parecia uma barbie acomodada na sua versão de bailarina,
Música trágica nos fones que lhe entrava pelos ouvidos, enquanto percorria as ruas, deslizando nos patins, indiferente aos movimentos ondulantes da cidade.
Sem equívocos.
A sua grande cabeleira azul, por vezes, raspava no chão,  ou voava, solta, por instantes, com a deslocação  do ar provocada pelos autocarros, quando aguardava a mudança de cor de um  semáforo, e tomava, bebendo, alguma brisa que por acaso se imiscuísse nas vielas, e então soltava-se em fitas ondeantes, que se prendiam nas grades dos palácios, nos seus portões de ferro, ou se enrolava sob a forma de abraço esquivo pelas avenidas, ao longo dos  troncos alinhados das suas árvores.
Se chovia e se recolhia debaixo de um toldo laranja, por exemplo, olhava para si desgostosa, porque as cores não condiziam, ou porque o vestido estava ensopado e escorria num todo, sem formato, alcançando, vagaroso, as pontas dos seus pés.

A sua presença reconfortante iluminou os dois.
Com begónias na barriga e bolo de chocolate.
Era tão esguio  nem um pouco da sua figura sobrava na sombra dos candeeiros altos, lá  para o meio da noite, e por isso se escondia atrás deles.
Sentira inequívocamente a sua presença ao dançar sobre a passadeira no dia anterior, ele inadvertidamente movera-se. Um ligeiro gesto e os morcegos agitaram as asas, e restolharam incrivelmente secos. Depois foram-se embora, em busca de um lugar mais sombrio.
Estava sentada no chão, com a saia em roda de si mesma e os joelhos fletidos à altura do nariz. Aproveitara a relva como tapete persa ou como lençol de seda verde ou de cetim.
Olhou bem para o alto, viu os seus olhos muito ao longe, era de noite, não havia luz verdadeira capaz de esclarecer algumas dúvidas, ou pontos, ou pontas soltas que haveriam de rematar.
Quando a viu, sentiu uma alegria tamanha que se esticou numa linha de tinta e assim se entrelaçou no céu para formar corações e outras palavras belas, para lhe oferecer em modo de reconhecimento. Brilhava em pequenos fios.
Tão tímido como as paredes nuas das torres de um castelo abandonado, tão alto como elas, e em idêntica condição,  guardião das aves que mais alto voam nas cidades, os patos reais e as cegonhas brancas.
Ela, asas despidas das penas, que se houveram soltado e de imediato juntado aos remoínhos que se formavam entre ruelas, acompanhando as folhas, que circulavam em espiral por todo o lado, com as pernas em meias de seda, muito direitas e fusiformes, os dedos grandes dos pés descalços rodopiavam pelas praças vazias, o seu cabelo azul em liberdade, escrevia poemas no ar, enrolava-se sobre si próprio, formava nós, para se prender entre ramos, e se deixar repousar definitivamente num velho  cartaz de cartão grosso, carcomido pelo tempo passado, e perdido atrás de um banco de jardim.
Uma fada concebia o  trabalho extraordinário das tesouras douradas, quando havia necessidade, ou do enlaçamento dos fios de cobre em laços apertados, como nós. O emaranhado estava em movimento. Juntava-se às palavras que as gaivotas iam trazendo, e que depositavam por ali, sob a forma de guinchos imperscrutáveis. Brilhavam, como diamantes na opacidade dos edíficios cinzentos, ela sentava-se nos canteiros dos malmequeres, enquanto mantivessem as flores, ele descansava nos raios de luz que atravessavam as salas, oblíquos, de uma janela ao lado oposto, perfeitos para repousar.
A tinta das palavras gravadas no ar era indelével. Jamais retornaria às mãos de quem as escreveu, jamais seriam outra vez uma história  de amor colorido acontecido na cabeça de alguém. 
Não  eram nada, nem nunca tinham existido, a não ser na turvação das cores.












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