terça-feira, 30 de julho de 2019

Em dia de #Woodstock

Sentou-se no chão, no canto do costume. O tremendo cheiro que exalava, batia de encontro às pessoas que passavam na rua e, como um bomerangue, regressava em odores  de perfume. e aí sim, utilizava o seu terceiro ou quarto sentido, quando ele era prestimoso e agradável.
Tinha sempre o cuidado de não esticar as pernas para não fazer cair ninguém, e por isso as encolhia muito, passando os braços em volta delas, e apoiando a cabeça nos joelhos.
Ficava horas assim. Por vezes espreitava o boné virado ao contrário, e colocado do seu lado esquerdo, principalmente se ouvia o ruído inconfundível  das moedas de cinquenta cêntimos. Espreitava para confirmar, embora soubesse muito bem que era uma daquelas grandes moedas, conhecia-as todas pelo som.
Um dia passou por ali alguém maior do que a caridade a que estava habituado. Esse alguém reparou na sua mão direita, com o dedo anelar apodrecendo de volta da velha aliança, o anel que era testemunho de um tempo que já não existia, e que agora era apenas um foco de infeção.
Quando o corajoso transeunte se aproximou para lhe falar, não respondeu, não estava para aí virado. Concentrava-se no aroma de um caro perfume de mulher que lhe tinha chegado às narinas. Conhecia os aromas todos dos perfumes das mulheres que subiam e desciam a avenida, ouvia os seus saltos sincopados no passeio, entretinha-se a contar os passos de cada um, a adivinhar que tipo de sapatos usavam, de vez em quando levantava a cabeça para saber se tinha acertado, e depois voltava a metê-la entre os joelhos.
O homem insistia em levá-lo para ser tratado, mas ele, mais uma vez, não lhe respondeu. Levantou-se e seguiu mais uma curta viagem. Cismava já num outro local para se sentar onde, durante uns tempos, pelo menos, o deixassem em paz.

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