sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A casa

Nem parecia ter tido um começo, caminho infinito , porque não lhe conhecemos o fim , só caminhamos por ele porque assim tem de ser.
Talvez por isso a mulher ficava tão triste com tristezas que magoam, ou alegre com coisas sem importância, como um telefonema de um filho, lá longe na sua vida, numa casa de coisas novas, no princípio da estrada.
A sua, a sua casa era pequena, mas tinha um portão verde e o jardim, onde cresciam plantas de flores às cores, que ela tratava com amor.
Se chovia, que chovesse durante a noite, era melhor, depois de dia, a terra mole permitia arrancar as ervas daninhas, que cresciam incontroláveis, e era necessário fazê-lo  periodicamente, porque se o não fizesse, transformar-se-ia o que era belo num matagal.
É claro que os anos iam passando, dezenas deles que se contam para trás, ou se vislumbram quando se olha de esguelha, nunca diretamente, para não se perder a alegria de continuar, mas ela fazia aquele trabalho sem tão pouco usar umas luvas para proteger os dedos e as unhas, só porque lhe sabia bem mexer na terra, só que depois as unhas negras, o traço escuro à volta da pele, pareciam aos outros uma porcaria  qualquer.
De qualquer forma, aquela força impulsionadora, nada mais do que reações fisico-químicas, metabolismos  relacionados com a uma energia decrescente e absolutamente natural, que se ia desgastando, e é claro que, como já disse, tudo tem um começo, e não lhe conhecemos o fim, mas percebê-mo-lo, quando, de visita, abrimos o portão que range, e por entre as pedras nascem malvas e outros chás naturais.
Lá dentro poderá não estar ninguém,  mas está, porque vejo a sua silhueta recortada na janela. Agora o que eu não sei, é se será efetivamente uma pessoa, ou apenas a sombra curva daquilo que ela já foi.
Haverá um dia em que alguém pegará na casa, que nessa altura estará em ruínas, com buracos no telhado, a câmara municipal já enviou umas notificações, pode cair, põe em risco todos ao mesmo tempo, os que passam na rua despreocupadamente e  os vizinhos que têm infiltrações, e nessa altura far-se-ão obras de reabilitação, e ficará tudo muito bonito, o jardim voltará a ser uma alegria, quem sabe se não terá, na altura, duas ou três buganvílias em flor.
Para mais tarde o tempo, inevitável, colocar os anos sobre as costas de outra mulher.

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