quarta-feira, 9 de setembro de 2020

 Era uma vez, num reino muito distante, tanto do tempo em que vivemos, como do espaço que ocupamos, semeando vida humana por todo esse planeta, numa distância incomensurável e portanto incompreensível de limitações inimagináveis para quase todos nós, exceptuando uma ou outra criatura que por vias de possuir alguma característica ou objeto diferentes, tais como os donos das bolas de cristal, ou os amigos dos unicórnios que lhes dão guarida e alimento nas suas quintas perdidas nas clareiras das montanhas mais desertas do mundo onde neva metade do ano e  na outra metade as folhas rebentam das árvores assinalando mais um ciclo astral, ou por vias de alguma diferença congénita na forma de olhar ou de tocar, o que não existe, era uma vez nesse reino um homem que vivia junto a um lago que gelava metade do ano e na outra metade cintilava a sua água pelo terreno circundante, e onde podíamos ver, frequentemnte, a aproximação dos veados bonitos e dos duendes pequenitos,  perfeitamente deliciados. 

Carmela chegou-se ao lago, para  mirar a cara ondulada numa das margens, isto se estivesse o tempo prazenteiro que parecia estar. Naquele reino inimaginável e distante, como já tentei tantas e tantas vezes descrevê-lo, sem conseguir,


Hoje, estava eu a escrever um textozito, só aquilo de fazer o gostinho ao dedo, nada mais, coisa muito humilde, porque a humildade é importante para que se apenda, quando resolvo, num gesto habitual, ver a palavra do dia. Não sei o que aconteceu, mas a bendita #ilharga começou a entrar-me pelo texto dentro.

No reino solitário que procurava descrever, longe do tempo em que vivemos, numa imagem que se ia realizando na minha cabeça, não havia espaço para essa palavra, mas ela sobrepôs-se ao meu raciocínio e à minha sensibilidade, associou-se, deliberadamente, às crianças de colo encaixadas na anca e eu não consegui retirar, nunca mais, do homem que inventei, um puto agarrado a si como se tivesse uma cola especial.

Carmela, que eu lhe oferecera como filha e quase uma fada encantada, que mirava a cara ondulada numa das margens, começou gritando "Olha a ilharga! Olha a ilharga!", e eu não pude fazer nada rigorosamente nada, para a calar.

E mais.  Os peixinhos do lago, quando nem sequer era suposto que o lago tivesse peixinhos, nunca foi minha intenção, apenas o vi gelado metade do ano e na outra metade cintilando pelo terreno circundante, saíram da água com os trocos preparados para pagar a Carmela, que as trazia fresquíssimas do mercado municipal. 

Pior, muito pior. Ao longe, bem lá ao fundo,  debaixo da sombra dos sabugueiros, uma ilharga parecia espreitar.





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