domingo, 13 de setembro de 2020

 Ao dia sete do mês de agosto do ano de 2018, deu entrada no hospital central de uma qualquer grande cidade, um homem sem nome. 

Embora garantisse chamar-se Pedro, também dizia ter trinta e sete anos, mas o seu corpo, a sua expressão, a sua fisionomia, revelavam, a qualquer um que olhasse para ele, mesmo distraidamente, tratar-se de um jovem que não deveria ter mais do que duas dezenas de anos, o que levou os profissionais a desacreditá-lo, também, em relação à identidade que afirmava ter.

Foi por essa razão que passou a ter como identificação aquela que se dá nestes casos, que é precisamente, chamar-lhe não identificado,e atribuir-lhe os números habituais, que servem, como outro artefacto qualquer, para nos diferenciarmos uns dos outros.

O seu aspeto era franzino, muito mal cuidado, e para além das palavras que proferiu, numa colaboração  quase mecânica, mais não disse todo o outro tempo que permaneceu na instituição até deixar de ser visto.

Pedro lembrava-se, constantemente da mulher e dos filhos saindo de casa de manhã cedo, via-os sentados no automóvel a passar o portão que acabava por ficar aberto o dia todo, para seguirem a sua rotina, ela deixava-os na escola e seguia para o trabalho.

O dia em que de mais nada se lembrava a partir dele, tinha começado igual aos outros, com as torradas acabadas de fazer e um último acenar de mão pela janela da cozinha ao filho mais novo que sempre lhe dizia adeus do banco de trás do carro.

Depois, talvez, se tenha dirigido à casa de banho para acabar a sua higiene matinal, mas havia um lapso perdido nesse curto período, como se o que se pudesse ser preenchido pela memória de outro dia , repetidos vezes sem conta, cabendo na perfeição no vazio que, entretanto, se formara. 


Os médicos empenharam-se com algum sucesso, e ele, aos poucos foi recuperando , primeiro em pequeníssimos fragmentos, e depois em registos maiores, solta no seu pensamento, uma vida passada que poderia, talvez,  não ser a dele.

João adormeceu no passeio, após uma noite de copos. Foi apanhado pelos bombeiros que o levaram ao hospital. Todo o tempo que lá permaneceu, não disse uma palavra. 

Felizmente tinha um cartão com a sua fotografia no bolso, que revelava a indiscutível identificação.

Ele queria falar, mas não conseguia, para lhes dizer que não se chamava Pedro. Trataram-no dessa forma até ao final do tratamento, altura em que foi para o domicílio acompanhado da mulher, uma senhora que dizia ser sua esposa, mas que se lembrasse, nem sequer a conhecia. Tinha um vazio na cabeça com se existisse apenas há escassas horas. 

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