segunda-feira, 16 de março de 2015

Os peculiares Episódio 4_ A explicação dos braços

Assim que a temperatura subia ligeiramente, e o céu se mantinha azul vivo durante todo o dia, anunciando a primavera, já Elba Calhau vestia umas manguinhas à cava, exibindo os braços dourados, da primeira tarde do ano passada na praia. No dia anterior tinha convidado a sua grande amiga, Celeste Nebrosa, que se deixou convencer muito a custo, já que preferia um corpo branco cadáver, e uma manhã enroscada no calor da cama. _ Ai filha, extou cansada de extar desempregada!_ disse Elba, enquanto ouvia o barulho das ondas, e via o céu todo castanho através dos óculos de sol. _ Olha, vixte aquele calendário dos alentejanux? Aquele mêx de março é um expetáculo. Esse homem é duma aldeia xamada Pézinhux de Borba. _ Não! Vi foi o dos jogadores de xadrez. Também tem lá cada um!_ respondeu Celeste,deitada numa toalha ao seu lado. Têm é o rabo um bocado achatado de estarem sempre sentados!_ e riu-se de tal forma que engoliu alguns grãos de areia. Elba não achou piada nenhuma. Ainda estava um pouco irritada com a resposta do Adolfo Dias. Pedira-lhe boleia e ele respondera_ Ó Elba, apanha o autocarro. Vai mesmo até à praia._ Tinha ficado ligeiramente amuada com tão vil proposta. De transportes? Nunca! Nem parecia vir de um amigo do peito. E acabou por pedir o carro emprestado ao pai, que, nesse dia, foi a pé para o trabalho. No final da tarde Elba foi levar a amiga a casa, e, apesar do sal, desconfortável, colado aos cabelos, decidiram beber mais um cafézinho, numa rua estreita, onde estava sempre o mesmo mendigo. _Olha, já o conheço. Extá todux ux diax aqui. É o "Fortuna". _Uma moedinha para comer!_ _Moedax não dou, já sabex! Pago-te comida. Não alimento víciux!_ e, decidida, atirou a ponta do cigarro para o chão._ O governo vê exte mendigo e não fax nada. É uma vergonha. Eu e maix alguma senhorax é que lhe damux quequex. Anda lá comigo._ E o Fortuna seguiu Elba, a pensar que o que lhe apetecia mesmo era uma garrafa de vinho, e graças à caridade alheia, já ia no terceiro queque na última meia hora. Chegada a casa, Elba tomou o seu banho. e beijou os filhos a quem a avó já tinha dado o jantar. _Meninux, para a cama. Amanhã há excola. extudem muito para serem como a vossa mãe. Os olhos pequeninos e pretos e o nariz comprido, sobressaíam na cabeça envolta no toalhão de banho._Vá, beijinhux! _Elba Calhau estava ansiosa para "postar" no Facebook as fotos daquela tarde, com bracinhos e pernas já tostados. Sabia que ia ser contemplada com dezenas de gostos e corações, e, com alguma sorte, um comentário mais picante, que sempre proporciona, ainda que vagamente, aquele ligeiro tremor do corpo, tónico fundamental para uma mente sã. Encantada, verificou estarem todos "on line". Carregou no enter, esperou cinco minutos, e estranhou ainda só ter quatro coraçõezinhos, um "és linda" e dois "adoro-te". Quando acedeu à conversa entre eles, Elba Calhau percebeu o motivo de tanta indiferença. O Benfica\Sporting preenchia totalmente a atenção dos seus peculiares amigos do peito. _Não foi penalty, o gajo só lhe deu uma dentada na coxa, mas não foi intencional!_ Juvenal Gadura era especialista em dentadas não intencionais no futebol. Porfírio Metelo Anão ripostou. _Não podemos andar à dentada uns aos outros_ _ É pá, mas ele quando se lhe encostou à perna, já levava a boca aberta, e além disso, uma coisa é o que se passa cá fora, outra coisa são as regras do futebol_ Adolfo Dias, sentado à mesa, no computador, entrou na conversa. _ Vocês arranjam é desculpas. O certo é que perderam. O Benfica é o maior! Sem obter qualquer resposta dos amigos, Elba escreveu um comentário: "Uma tarde na praia. Adoro-vos" _ Este árbitro beneficia sempre o Benfica, é o que é! _Vocês são mas é uns coitadinhos_ e, empolgados, continuavam a conversa sobre a bola. Elba esperava, impaciente, que vissem as fotografias. "É pá, já viram a tarde que eu passei? Adoramo-nos?". mas eles, nem a este apelo tão forte responderam. _Três dois, que miséria! Também, a jogar com dez!_ _ O Benfica é só ganhar, pá!_ Adolfo Dias, orgulhoso da vitória do Benfica, abriu as fotos contrafeito. Numa, viam-se dois calcanhares com calos, noutra, um ombro e uma nádega, a terceira era apenas um nariz no fundo do mar com um cardume de peixinhos a entrar e a sair das narinas, e, por último, um andrajoso a comer um queque com ar enfastiado. Como é que a gaja faz este efeito, que parece mesmo um bolo? E acabou por escrever: Que lindo Elba, até fiquei com calores! Alice Mitério chegou-se atrás do marido, devagar. _ O que é isso Dôfo? _ Há, nada! Estou aqui a falar com eles._ Alice debruçou-se sobre o computador, e mudou olhar de triste para muito pior. _ Ficaste com calores Dôfo? Ai DÔfo, Dôfo. Que vício tens de apaparicar saloias! Ó Alice, desculpa. É tudo a brincar. Estou é a falar com eles de futebol. Acho que a Elba até anda com o bombeiro, o Abel!_ _ Está bem Dôfo, anda jantar!_ E Alice Mitério saiu da sala a pensar. "Hmm, não me parece. Ou então o imprestável do bombeiro não está a fazer uma conveniente utilização da mangueira." E, transtornada, chegou à cozinha, e cuspiu na sopa quentinha do marido, como sempre fazia quando ele a irritava. Elba, mulher de coração grande, rapidamente esqueceu a desavença com Adolfo Dias, e, emocionada, escreveu: "Tu és sensível amigo, obrigada!" _Está boa, Dôfo?_ _Uma delícia! Muito cremosa! Tu fazes muito bem a sopa, Licinha!

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