Então hoje onde é que estás, tia Lurdes?
Hoje estou em Paris.
E o que vês?
Vejo os porquinhos e as galinhas lá mais ao fundo. E oliveiras.
De forma que, confesso, hesitei em atender, já íamos no décimo telefonema de cidades supostamente diferentes, mas acabei por aceitar a chamada.
Por aqueles dias, admito que já nem perguntava pelo estado da sua saúde, nem como passara desde o último telefonema, nem procurava falar uns minutos de qualquer trivialidade, das muitas que nos preenchem o quotidiano. Desde que me apercebi que o que queria era relatar os seus devaneios, ia direta ao assunto que mais a confortava, para a deixar feliz.
Então hoje onde estás, tia Lurdes?
Hoje estou Antuérpia.
E o que vês, tia? O que tens visitado por aí?
Vejo os porquinhos e as galinhas lá mais ao fundo. E oliveiras.
Após um razoável período de telefonemas mais ou menos regulares, resolvi contactar com a minha prima Arlete, sua filha mais velha e a mais cuidadosa dos três irmãos, diretamente para o seu telefone, porque a insistência da minha tia em inventar cidades à sua volta percebendo eu, racionalmente, que devia estar sentada numa cadeirinha na quinta de onde nunca tinha saído, começava a preocupar-me.
Arlete atendeu.
Olá, Arlete, como estás?
Estou bem, obrigada. Estou em #Zagrebe.
A resposta ao cumprimento que lhe fiz, deixou-me em total estado de alerta. Tu queres ver que por algum motivo inexplicável, estão as duas com os mesmos sinais?
Então e o que vês, Arlete?
Vejo a mula a comer a palha que o Santiago lhe deu. E oliveiras.
Senti-me aliviada. Afinal não respondiam da mesma forma ao que eu lhes perguntava. Havia alguma semelhanças entre os discursos, mas isso devia-se ao facto de habitarem juntas, sempre criamos certos costumes iguais aos das pessoas que, na vida, partilham connosco os espaços.
Tive que desligar rapidamente porque tinha outra chamada em linha.
Era o meu filho.
Olá, mãe. Onde estás?
Estou em Tóquio e estou muito ocupada, meu filho. Ando na apanha da azeitona. Até logo.
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