sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

o Natal

Os meninos estavam todos sentados no chão da sala. 

Rafaela, no meio deles, cantava a canção ensaiada mil vezes, maquinalmente, enquanto pensava na noite da consoada. 

Os primos iriam lá estar e brincariam todos no seu quarto, que era o maior, ansiosos por que passasse o tempo e fossem horas de abrir as prendas. Ainda teriam de esperar uma eternidade até ao jantar, os adultos conversariam fazendo tempo para a refeição, alguns atarefavam-se na cozinha, outros juntavam-se na sala da árvore, que piscava as suas luzes intermitentes, e segurava nos ramos pequenos enfeites de chocolate, embrulhados em pratas. 

As bolas vermelhas luziam de vez em quando, conforme algum reflexo de luz lhes tocava a superfície. Debaixo da árvore as prendas amontoavam-se, mais ou menos desorganizadas, apenas seguindo a lógica dos diferentes volumes e tamanhos. 

O jantar foi extenso, quase interminável, e Rafaela batia os pés na cadeira contando de um a dez muitas vezes, à espera do seu fim. Olhou, pela milionésima vez, para os presentes coloridos.

Das sete fadas intactas do papel que revestia um dos embrulhos, porque a tesoura tinha desmembrado algumas, as que encontrou no caminho percorrido pelas suas lâminas implacáveis, uma delas aventurou-se a existir, apesar dos avisos insistentes das outras em relação ao perigo, e separou-se das imagens onde estava estampada ganhando corpo, volume e vida. Deu um grande salto e sentou-se num dos galhos do pinheiro, entre uma estrela dourada e uma luzinha intermitente, ora azul, ora vermelha, ora apagada.

Pela #abertura que ficou no papel, Rafaela percebeu que o que estava lá debaixo era aquela boneca por que ansiava desde sempre e com a qual sonhava acordada, de olhos fechados, todas as noites antes de adormecer.

Nem relevou. O que vale uma boneca de plástico, se a magia pode acontecer?




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