segunda-feira, 22 de junho de 2015

O terceiro andar

O Pedro sabia que o pai estava só, velho e doente, e o pai, por sua vez, já tinha interiorizado o tempo como uma ampulheta impossível de virar. O filho tinha para com a maioria dos idosos uma atitude benevolente, mas não para com este, porque , sob a capa de um bom pai, enganara todos, deixando-o à sua sorte num mundo de medos colossais.
O pai, em casa, ouvia passos nas escadas, demasiado pesados e rápidos, para que fosse alguém a subir ao terceiro andar. Às vezes o telefone tocava e o velho percorria a casa diminuta, e, arquejando como se tivesse percorrido um palácio, atendia, um pouco mais contente.
O filho telefonava ao pai enquanto jogava guerras no computador, para descomprimir do dia de trabalho, pensando que só tinha meia hora para descansar, e que o esforço seria praticamente só ouvi-lo, embora também para si, isso fosse dispensável. O Pedro lembrou vagamente como, há infinidades de anos, o pai se rira do seu pesadelo, e ele, pequeno, agarrado às grades da cama, e o pai a ensiná-lo a não chorar.
O pai do Pedro educara os seus filhos para serem homens duros de roer, iguais a si, alheios às fragilidades dos outros, , aos andares altos sem elevador, ao medo do silêncio sepulcral da noite. Por isso, muitas vezes na vida deixara de falar ao filho, obrigando-o assim à solidão, numa família cheia de gente. O filho não era vingativo. Apenas um aluno a viver com distinção, e o pai, no terceiro andar, apenas um professor.

Sem comentários:

Enviar um comentário