sexta-feira, 5 de junho de 2015

Incompreensível

O homem bom queria comer, metade ao jantar e metade à ceia, as suas magníficas sereias. Elas agradeceram ao homem benevolente, porque os seus cantos encantadores iam gostar muito de ir ao forno com cebola!
As sereias não compravam meias, pensava o homem intrigado, numa ansiedade crescente.
O homem bom, quando se deitavam, colocava um enorme balde com água aos pés da cama. Vá lá, valia-lhes as quatro mamas e aquele mágico som, e as sereias, não se sabe bem porquê, antes de dormirem, punham sal nas pernas e nas veias!
O homem tranquilo adormecia, e uns dias sonhava com peixe frito, outros com o azul do mar, ou com  palavras musicais, soltas, discursos erráticos, sombras voláteis, coisa assim! E as sereias, metade red fish metade mulher, não eram o sonho do homem bom, que sonhava com entrecosto na brasa, coisa racional e apetitosa, e o homem bom mas deselegante, impacientava-se, tanto com as metades de peixe, como com as mulheres imperfeitas, como com a falta de meias, nas molas, na corda, penduradas a secar!
Há! As sereias...! Quando cantavam enebriavam a cabeça de touro do minotauro que era o homem bom, que tinha duas sereias, e que temia perder para sempre aquele dois em um! Perder a diferença mais semelhante do mundo, o ponto nevrálgico, o elo de ligação.
Um dia, estavam as sereias a escamar as caudas, e a pôr um bocadinho de creme para ficarem mais macias, quando o bom homem chegou. Meninas, vamos à praia! E lá seguiram elas, agarradas aos seus chifres de marfim. _ Onde vais? Porque não páras? _ Vou devolver-vos ao mar! Procuro mulheres inteiras, com pernas, e, acima de tudo, meias, mulheres que se me assemelhem, que sou praticamente todo um "homem bom"_. E, largando-as na água, virou-lhes as costas, e afastou-se calmamente, com a longa cauda bamboleando ao movimento dos seus passos.

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