quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Os Peculiares. Episódio 1. _ O jantar

_ A reserva fica, então, em nome de quem?
_Elba Calhau, e já sabe, àx 21horax, mesa para oito. Com licença, obrigada. Elba desligou o seu "androíde", viu as horas e pensou:" Meux deusex! Tenho pouquíssimo tempo"! E entrou no automóvel, não sem antes os avisar a todos: Hoje às nove!
Que bem que sabia ir jantar com os amigos e colegas! O Adolfo, as irmãs Vairada, a Celeste...
Encontraram-se pela primeira vez num curso de desenho, com um professor de bigode repuxado e olhar distante, e onde, na primeira aula se apresentaram para melhor se conhecerem uns aos outros.
_ Digam-me então como se chamam, por favor.
_ Eu sou Elba Calhau, desempregada_  E um a um se identificaram, e lá foram explicando o seu interesse pelo curso em questão. Lucas Murro, as duas irmãs, boas raparigas mas um pouco amalucadas: Gertrudes Vairada e Lurdes Vairada. Depois, sempre vestida de preto, com a pele muito branca e umpouco de peso a mais que lhe sobressaía da roupa justa, Celeste Nebrosa, uma amiga para sempre. Do outro lado da sala. Juvenal Gadura, o amável Adolfo Dias, e finalmente, um verdadeiro "gentleman", o mais velho e o mais sabedor, Porfírio Metelo Anão.
_ Meus senhores,são efetivamente, a turma mais peculiar que já tive. Disse na altura o professor, depois de ouvir os seus nomes.
"Somos peculiares"! E logo se agitaram todos nas cadeiras.
Elba chegou ao cabeleireiro, e com um invulgar poder persuasivo, pôs todas as funcionárias a trabalhar para si. A Lúcia a arranjar o pé direito, as mãos para a Sãozinha, a Bety no outro pé, e do jeitinho nas madeixas louras encarregava-se a Dulceneide, com imensas inovações brasileiras.
_ Max que excelente trabalho, o dax meninax, e enchia a boca com os "xes", para dar voluptuosidade à voz.
Próximo de si, vivia Adolfo Dias com a mulher, Alice Mitério, uma criatura soturna e triste.
_ Vais outra vez jantar fora Dôfo?_ perguntou suavemente.
_ Oh querida_ respondeu enquanto a beijava na testa,_ Estes jantares são bons, sabem-se coisas importantes.
_ E com quem vais daqui Dôfo?
_ Vou sózinho, querida. A Elba Calhau apanha boleia do Lucas Murro.
Adolfo saíu de casa, agarrou no telemóvel e escreveu: Elba, espero por ti no sítio do costume.
Quando chegaram ao local já lá estava Lurdes Vairada, nervosa, a andar de um lado para o outro, e logo a seguir chegou Celeste Nebrosa, de capote e baton negro.
_ Elba, olha aquele "bonzaço" ali.
_ Hi, até arrepia. Vamux lá?
Já todos reunidos entraram no restaurante, o "Molhos" ali para o Bairro, com bom vinho e preços económicos, o ideal para este tipo de encontros. Sempre se conseguemjuntar uns trocos e ir para a folia, para levar desta vida o que ela tem de bom.
À mesa, depois de servidas as bebidas, a primeira coisa que fizeram foi um brinde à felicidade de todos, e também o seu grito de guerra, à semelhança do que acontece nos desportos de equipa.
_ Adoramo-nux?_ perguntava Elba de copo na mão.
_ Adoramos!_ respondiam os outros em coro.
Entretanto apeteceu a Gertrudes Vairada um creme de ervilhas, que já lhe tinha cheirado muito bem, e que comeu enquanto se debicava o pão e o queijo das entradas, e se regava tudo com vinho.
_ Bolas, este creme está demasiado grosso!
_ E não gostas deles grossos ó Gertrudes?_ perguntou Juvenal Gadura. E logo se riram os que ouviram, no meio da conversa animada.
_ Mais um copo Elba?
_ Sim Adolfo, obrigada. Vamux brindar outra vez pessoal? À nossa e a Fernando Pessoa!
_ Fernado Pessoa? Interrogou Porfírio Metelo Anão, delicadamente.
_Claro, ó Porfírio. O meu Pessoa, o meu Pessoazinho que eu tanto goxto!
_ Ó Elba, isso é que não! Não vou brindar a esse gajo. Ainda por cima já está morto! _ disse Lucas Murro.
_ Ó Lucax, não sejax teimoso. É pá, exte jantar tem que ser comemorado. Encontramo- nux daqui a um mêx ou doix. Fica já combinado. Ai, 'tô sempre a fazer rimax, é maix forte do que eu!
Celeste Nebrosa, que sorria de olhos sensuais e vidrados por baixo da maquilhagem pesada, pediu a Juvenal _ Mete- me aí mais vinho. _ Então não meto ó Celeste, eu gosto é de meter! E riram- se a bandeiras despregadas.
_ Ó Elba, então e os teus filhos? E o teu "ex"? Tem-te chateado?_ e assim ia decorrendo a noite! super animada.
As irmãs Vairada lembraram como o professor lhes tinha dito que eram peculiares e Elba disse: "Somux nóx e o mundo !"  E essa frase deixou-os maravilhados, de tão verdadeira, inteligente e bem pronunciada.
_ És linda Elba!_ gritou Adolfo Dias_ És linda! E os outros concordaram numa eleger manifestação sonora.
_ E, amigux, ainda, ainda sou completamente contra o acordo ortográfico! Exclamou Elba Calhau, orgulhosa. _ E saímux daqui e vamos beber maix um copo!_ e isto provocou o entusiasmo geral.
_ Eu se calhar não vou. Tenho que me levantar cedo amanhã._ disse Adolfo Dias pouco à vontade, porque se lembrou da recomendação da mulher. "Depois do jantar vem para casa Dôfo". Adolfo até se tinha irritado. Gritou-lhe que se sentia uma besta enjaulada. "Uma besta lá isso és, grande cabrão. Enjaulada estou eu, entre os tachos e a casa arrumada", pensou Alice quando ouviu aquela frase tão dura. Pensou, mas não disse uma palavra.
_Olha! Acho que já não vamos a lado nenhum_ comentou Juvenal para Porfírio, quando, após o jantar se reuniram na rua movimentada. E apontou para Elba. Ia apoiada entre a Celeste e o Adolfo, a trocar os pés, toda dobrada, olhos revirados, e entaramelando a voz, balbuciava baixinho:
_ Pessoa...., O Acor........., e beijinhux...., bei....., beijinhux........






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