sábado, 23 de abril de 2022

escrevendo......

A minha casa fora construída numa pequena elevação  de terreno, um relevo mínimo, minúsculo,  se o compararmos com qualquer montanha, ainda que de pequenas dimensões.
O que é certo é que do alpendre, ou das janelas que viravam para aquele lado, conseguia ver tudo, melhor dizendo, tudo até ao limite da capacidade dos meus olhos, o que não  é a mesma coisa, não estar habilitado para visualizar determinada imagem, ou, de facto, não  existir nada para além dos campos ondulados, ou  do último ponto azul, de todos os pontos azuis acima do horizonte.
Resolvi dar um passeio.
Estava tão próximo do campo ondulante que, quarenta segundos depois, vi um #coelho a fugir, apressado e já os meus pés  pisavam pequenas flores amarelas, onde batia o sol  quase horizontal, num fim de dia por ali.
Do meu lado esquerdo, vi aquela figura vulgar, vestida como alguém que trabalha a terra, calçada como alguém que pisa os seus torrões, ou a sua lama, com uma naturalidade suja, com semblante ressequido de uma vida ao livre e descansando dos inúmeros afazeres.
O homem, sentado em silêncio sob a sombra de uma copa verde e baixa, com as costas apoiadas a um grande troco castanho, apoiava o antebraço no joelho, e a mão  direita  pendia-lhe, inerte e despreocupada, só o polegar e o indicador mantinham a pressão necessária sobre uma palha de trigo, que rolava, devagar, ora para trás, ora para a frente.
O lado oposto da minha pequena habitação tinha apenas uma janela, com caixilhos de madeira pintados de branco, e que nunca conseguira  abrir em toda a minha longa estadia, não sei se por defeito, ou avaria, sei que era apenas aquela árvore sombria que eu  vislumbrava, igual no verão e no inverno, os seus  troncos cor de barro, muito retorcidos como nunca vi outros, de formas geométricas, algumas assustadoramente artificiais. Nunca lhe despontavam folhas, logo, imaginava eu que nunca o tempo passasse por ela, contudo respirava vida e saúde, eu sabia, sentia, talvez, haver seiva densa a circular-lhe pelos troncos e tronquinhos, sedentos de qualquer coisa completamente inexplicável. 
Por algum motivo, que me sinto incapaz de perceber, a natureza camuflava a sua energia com aquela aparência moribunda, mas que, paradoxalmente, lhe perpetuava a vida, muito mais do que se sofresse, plena de normalidade, as metamorfoses inerentes às estações do ano.
A minha curiosidade era muita.
Eu não via mais nada por ali. Ou porque não  existisse mesmo, ou porque era incapaz de tomar uma outra posição  para observar o que se passava lá  fora, não sei. Sei que os caixilhos das janelas eram o limite da paisagem, a esquadria imóvel, recortada no fundo de uma parede sépia onde a sua silhueta retorcida se insinuava, assim, sem mais nada, talvez visse também uma ou outra aresta do barracão imediatamente ao lado da parede vil.
Os pássaros evitavam-na, oh,  se evitavam, nunca lá dei por algum, nem os corvos pousavam nela, ou águias, ou pássaros cantantes, ou os migratórios que, na sua vaidade orgulhosa, tanto gostam de se exibir, nem o vento a balançava. Podia ser um artefacto, uma imagem entre sonos, ou mesmo, e finalmente, um sonho das profundezas do inconsciente, uma mentira desgraçada para me deixar inquieta.
Eu caminhava já em sentido contrário, voltava para casa e a minha sombra agigantada precedia-me.
O sol praticamente deixou de ser ver.
Entrei.
Andei em linha reta pelo corredor, acendi a luz do candeeiro e espreitei lá  para fora.
A visibilidade começara a enrodilhar-se na  escuridão. 
A continuarem crescendo desta forma, os seus galhos, alguns em semicírculos perfeitos, um belo dia cairão.





Sem comentários:

Enviar um comentário