sexta-feira, 25 de outubro de 2019

#Duplo

Januário foi dar milho aos pombos, e enquanto o fazia, sentado entre os dois pés da estátua, olhava de viés para para os lados, não fosse a políca aparecer do nada para o tirar dali.
Tinha visto o tapete da vizinha estendido sobre uma cadeira, achou-o horrívelmente feio. aborreceu-se com o padrão castanho, e esperou. Assim que  sentiu os saltos da mulher no mosaio, espreitou, viu-a a apalpar o entrançado para ver se já estava seco, e gritou-lhe do andar de cima, "esse tapete é horroroso, deixe-me que lhe diga!"
A mulher confirmou que também não gostava assim muito dele, encolheu os ombros aborrecida e meteu-se outra vez dentro de casa.
Januário, gostava daqueles animais esvoaçantes a remexerem-se em seu redor. arrolhavam pelo ar, enfiavam-no numa nuvem de asas, às vezes,
Quando o viam, começavam a aterrar ao pé dele, primeiro uns, depois outros, até serem imensos, e largarem uma ou outra pena dos seus corpos alados, e estas, por sua vez, também ficavam por ali a dançar.
Laura puxara de uma cadeira debaixo da mesa da cozinha, e ainda de pé, com a mão nas suas costas pesadas, de forro #duplo, pôs-se a pensar. "É feio, realmente", e recolocando a cadeira no sítio, decidida, deu meia volta para ir à rua  imediatamente comprar um mais bonito.
Quando dispersavam, deixavam o ar vazio, e assim, ali sentado, podia dar um sentido às coisas. como se a companhia dos pássaros não tivesse a mesma troca de palavras do que outra companhia qualquer, a mesma idiossincrassia de conversar com os movimentos do ar agitado pelas asas.
A proibição não lhe era suficiente, já pagara multas, já mudara de estátuas e  jardins, de sítios ermos, até o dia em que tinha de se ir embora para outro lugar.
Laura passou no passeio com um tapete enrolado num tubo e enganchado entre um dos braços e o tronco. Mesmo à sua frente, pousou o objeto longuilíneo no chão, encostando a parte superior ao muro, para tirar dos olhos um fio de teia de aranha que a vinha a incomodar, um daqueles que se suspendem em locais sem qualquer lógica, e que se prendem às pessoas que circulam.
Quando o viu, abandonou o objeto do outro lado da rua, atravessou o asfalto, de raros movimentos de automóveis, e dirigiu-se a ele para lhe dizer que já tinha comprado outro, estava ali encostado, de cores vivas e brilhantes, pronto para alegrar o ambiente da sua casa.
Ao sentirem-na tão próximo, as aves debandaram dali, para irem pousar bem longe e Januário seguiu-as sem sequer responder à mulher.






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