segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Quotidiano

O quotidiano da boneca de pano era muito desagradável.
Primeiro, logo de manhã, atiravam-na para um sítio qualquer enquanto faziam a cama. Depois da cama feita, deitavam-na em cima de uma almofada.
Ficava ali, todo o dia parada, e por força dessa incapacidade que tinha de não produzir qualquer movimento, era obrigada a longas horas de observação do teto.
À noite vinha a criança. Metia-a entre almofadas e cobertores, sem se importar se ela ficava ou não com o nariz de fora para poder respirar. Às vezes sentia-se sufocada mas, apesar de tudo, era ainda assim o melhor naqueles dias aborrecidos.
Uma vez, só uma, levaram-na à máquina de lavar roupa, e ela gostou daquilo, do corpo mais pesado com o peso da água.
Depois de lavada, prenderam-na pelos pés, na corda. Duas molas para cada pé, não fosse ela voar dali e ir parar a algum sítio inacessível, para morrer lentamente à mercê do calor dos verões e dos maus invernos.
Esse dia foi bom. Fixou os olhos imóveis nuns telhados virados ao contrário

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