sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Outros (Enciclopédia)

Ninguém sabia o que continha o caderno vermelho. Viste? Conseguiste?
Ninguém sabia o que ele continua. Viste? Leste?
Um dia ela saíu cedinho. Começaram a rebuscar o seu quarto logo pela manhã. Abriram gavetas, levantaram o colchão, remexeram a roupa pendurada no armário, baixaram-se para espreitar debaixo da cama e dos outros móveis, até que o miúdo lhes disse: está ali, em ...cima da mesa de cabeceira.
Viraram-s os dois, de repente, para o caderno e abriram-no. As páginas soltas, em branco: o que fizeste da tua vida? O que fizeste que escreves e não se vê nada?
Sabes lá tu quantos interesses já despertei na vida, e de quem! Quantos verdes repugnantes já vi, tricotados na mesma camisola? Quantas vezes confundi com a lua um brilho de merda, um brilho qualquer de merda a incidir nos aros dos óculos. Até vi lançarem um homem ao mar, um que nem era de se deitar fora!
Que alívio! Nada o caderno lá tinha.
Olha #OUTRO igual ali em cima da cómoda! Outro onde não está nem uma linha, e mais um debaixo da almofada, e outro, e outro...!
Chegou com febre, e as mãos geladas. Sentou-se à secretária.
Espreitaram, da porta, que escrevia: o que escreves?
Coisas! Muitas coisas, surpreendentes, vais ver!
E vou embelezá-las com matéria transparente, tipo chá de limão quentinho, acabado de fazer, ou fresquíssimo, se estivermos no verão.
Procuro a beleza. Aquela frase certeira da matemática, sabes? Condição necessária mas não suficiente. Nem pensar! Isso não é com a beleza, que é exceção. O rigor e a exceção, o rigor e a exceção....
Está lá escrito no caderno, no azul, que guardo na bata branca, ou no avental. E está escrito sobre a puta da inevitabilidade do tempo, e outras matérias assim desinteressantes.

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