Se, por acaso, arrumar, cuidadosamente, o meu material de escrita, como escreverei?
Mas, se o deixar pousado onde fica, as folhas irão acumular-se pela casa toda, sufocando-a.
É o mesmo eterno problema, o mesmo ciclo sem fim.
Questiono os apontamentos que circulam entre a minha cabeça e os cadernos espalhados, as folhas de arestas bicudas e os panfletos de costas lisas onde em tempos chegados rabisquei qualquer coisa para ser abandonada.
Num futuro, talvez próximo, talvez longínquo, não haverá, em branco, superfícies disponíveis e as canetas e os lápis deixaram de existir, serão sómente cadáveres enterrados nas gavetas.
Por isso mesmo, serei outra pessoa neste caderno, do qual, admito, não saberei que destino irá ter, ou onde estará nos momentos em que precisar dele.
Aqui, sem qualquer fronteira, ou prisão, e se mantiver os cuidados necessários para que não se perca no reboliço da casa viva, onde papeís lixo contam uma história sem princípio nem fim, falarei do que eu quiser e maior liberdade não há.
O tempo, passa, hora a hora, e assim ficará aqui descrito, como se, sem consciência, não lhe desse qualquer importância.
Se vir algo que aos meus olhos se revela muito belo, uma cor surpreendentemente viva, ou um pormenor gigantesco que me chame a atenção, um desses cantos esquecidos onde pode caber a biqueira de uma bota colossal, nem me interessa o que lá possa caber, e me apetecer, abro mão de uns minutos para aqui relatar algo que nunca aconteceu, é meu dever.
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