quarta-feira, 24 de junho de 2020

A Casa de Cima, ou, As #Voltas Que a Vida Dá (para caber em ontem, já que em hoje é impossível)

Ouvia-se o ruído da água quando, esta tarde, passei por lá.
Nos meus tempos de criança, lembro-me bem da numerosa família que lá vivia, naquela casa construída havia seis décadas, no topo da rua principal.
Passava direta para um encontro com os melhores amigos, nem na altura imaginava o que acontecia dentro do casarão ao fundo.
Era, ainda hoje se mantém de pé, sumptuosa e cúbica, com um jardim tão glorioso quanto possível naqueles tempos agradáveis que acabámos por viver.
O pinheiro, que se agarrava ao morro com unhas e dentes, levara os seus anos a crescer para se tornar num pinheirão enorme, pena que anos atrás não tivesse aquela altura desmedida para espreitar as movimentações das pessoas entrando e saíndo pelo portão mais pequeno, de ferro forjado e arabescos, e que antes era intensamente castanho, quando as pedras do caminho ainda estavam bem presas ao chão, sólidas e limpas das folhas e das flores que diariamente se soltavam das suas mâes
Nessa altura, se o vento assobiava, não se ouvia, tal era o bulício da rua viva, das crianças que brincavam por ali. Ainda assim, mesmo silencioso, foi fustigando as madeiras, enferrujando os metais, partindo telhas, e fazendo com que a tinta das paredes se soltasse, ou em finas placas, ou em partículas de pó.
Como dizia, ouvia-se o ruído da água a bater no chão, quando passei por lá. Olhei. Pelo meio das trepadeiras que cresciam, selvaticamente, por todo o lado, alguém regava uma pequena horta, dissimulada entre o abandono, conduzindo uma mangueira verde que serpenteava devagar, obedecendo, indolente,  aos movimentos fracos de quem a puxava pelo quintal.
E não era eu a única que olhava para a mulher, com a sua bata de trazer por casa embaciada pelo sol que durante anos incidiu sobre a roupa no estendal.
 De lá de cima, do primeiro andar, da única janela com cortinas protetoras e amareladas, uma figura masculina espreitava os movimentos da mulher, fixando-a nos seus olhos, com toda a atenção.
Ela, prosseguia, indiferente à minha curiosidade, ao homem que a mirava de lá de cima, e ao pinheiro manso, que, inequivocamente, cobria de enormes abraços sombrios os vegetais que vegetavam na terra e que se agarravavm  aos tubos de metal, às ombreiras das portas, à cadeira de jardim abandonado que a erva se entretinha a enlaçar, devagarinho, nas horas mortas. Aproveitava uma nesga de sol para se desenvolver, primeiro crescia em secções bem definidas, até formar umas espigas que no verão haveriam de secar, para, na primavera, voltarem a eclodir da terra, ou fosse de onde fosse, absoluta e  livremente.
Não fosse a água que batia no chão, abrindo portas no silêncio da ruela, eu nunca daria pela sua presença tímida, porque caminhava em modo de passeio por ali. A curiosidade movera-me, queria ver a evolução do pinheiro que plantara, por brincadeira, no plano inclinado, numa noite furtiva, em que a plantámos com a agilidade agilidade de crianças, fincando bem os pés nos lírios que nos serviam de apoio instável na inclinação, e seguia, com os olhos fixos, desde que a topara, a vivenda, de paredes descoloridas e planas.
Absolutamente de acordo que aquele som, no silêncio de fim de tarde, haveria de provocar uma qualquer espécie de chamamento, uma atração inconsciente, mas real, que nos levava até lá, para saber mais coisas sobre os movimentos das partículas do tempo, que correm naquela água que sai da mangueira da mulher, como se o líquido de fraco caudal, entendia-se claramente a sua fragilidade, nem parecia água cristalina como a conhecêmos, fosse sinónimo de vitalidade.
Densa e plena de circunstâncias pequenas, , caía sobre as alfaces e sobre as roseiras, cobrindo de lama o terreno, imagino, porque pouco se via lá para dentro quando passei.
O fraco movimento das cortinas foi o suficiente para me alterar o foco de interesse. Quando tudo está parado e se agita uma cortina, ainda que levemente, os nossos sentidos respondem, olhando, tentando vislumbrar de onde surge o movimento, se é um acaso na  quietude, ou se, ao contrário, é provocado por alguma criatura viva que por ali resista, escondida do mundo na periferia do coração das cidades, nas velhas artérias privadas há muito de circulação sanguínea,  obrigadas a tentar ouvir o inaudível, anos a fio.



O pinheiro, desmesurado mas imponente, crescendo na terra do grande canteiro inclinado que limitava o terreno a nascente, orgulhoso e consciente da imponência da sua figura altiva, escurecia, com o seu verde manto floresta escura, tapava o sol, de verão e de inverno, esticava braços sobre o telhado, pousava-os nele para descansar do peso perpétuo e crescente de tão grandes troncos e galhos.

A casa cúbica estava sem cor. Manchas sépia bordavam as paredes e as fendas rasgavam-na lentamente, tirando partido do abandono e do passar dos anos,
Há tempos infinitos que ali não ia, nunca tinha visto aquele homem de primeiro andar, para mim era apenas um desconhecido passeando as memórias do seu corpo vulnerável,
com aquele olhar atento, sobre os movimentos lentos da mulher.
O fim de uma história é a sua morte, é o fechar da torneira para a água não correr mais pelo tubo de borracha, não ouvirmos mais o som que provocou, deixarmos escapar da nossa vista tão bela árvore, pacificadora, tapando, com condescendência, as hastes invasoras que a mulher afastava para chegar à pequena horta, escassa de sol.







segunda-feira, 22 de junho de 2020

Cintilava debaixo duma bota de verão, mas libertou-se a tempo de subir no ar, refletindo na súbita e bizarra ideia de nascer, o preparou a subida às alturas numa aventura desmedida e não de largos segundos, que terminava com o metal a ser engolido pelo chão.
Era apenas um sopro sem consistência, quando lhe veio à ideia, naquela aventura interminável de querer chegar ao patamar superior, sem a força do peso dos corpos que ela transportava, em sentido descendente, ordeiros, dispostos em degraus.
Rebeca, ao cruzar os olhos na única mulher que subia, exausta e timidamente só, apeteceu-lhe ser concebida mesmo ali, por entre os movimentos ondulatórios do metal.

Cintilava debaixo de uma bota de verão
quando lhe veio à ideia,
a súbita e bizarra vontade de nascer.
Havia tempos infinitos
até o metal ser engolido pelo chão,
até os degraus se desfazerem.
tempo de conjeturar que a consistência
de um sopro não é  suficiente
para atingir a felicidade.
Vejam-se as  nuvens que pairam por aí,
seguindo as correntes do vento,
sem que conte o peso dos seus corpos em nada,
gravitando, maleáveis, sobre o orvalho gasoso.
Seria vergonhoso, um dia,
reconhecer ter sido concebida
nos movimentos ondulatórios dos degraus,
enquanto ainda eram degraus,
e o chão não os engolia ao ritmo
vagaroso das ondas.

E enquanto a sua mão sem vida
se via impossibilitada de tocar nas coisas.
Foi, sobretudo a mala da mulher,
que fazia a #volta ascendente,
e que lhe brilhava,
um pouco abaixo  do cotovelo,
quase perfurando o céu cinzento,
um verdadeiro sol a querer romper
o nevoeiro matinal,
que a fez querer ser viva e presente
libertar-se do céu das estrelas
esses meros pontos de luz inalcançáveis.






.
Após ter refletido demorada e profundamente sobre o assunto, Rebeca nasceu.
Tinha iniciado este tipo de pensamento ainda era apenas um sopro, uma partícula invisível que o vento levava para onde queria, sem ela ter qualquer possibilidade de concordar ou discordar dos sue próprios movimentos e que lhe era imposta, como acontece com as nuvens  que pairam por aí, por todo o lado, sem qualquer modo próprio, ou vontade, embora fizesse, bastas vezes, os caminhos em sentido contrário, mas sem o direito de opção.
Nesse mesmo dia, tinha subido, pelas escadas rolantes, vendo tantos outros descendo, para os seus empregos solitários, na subida vagarosa, parados num degrau sem posição. O metal ia sendo comido pelo mecanismo elétrico, enquanto Rebeca, e, quando chegava ao topo, o degrau desfazia-se por baixo do chão.
Foi durante essa  viagem interminável, que Rebeca decidiu nascer, enquanto olhava para tantos olhos olhando em frente, e tantos corpos ordeiros, condicionados pelos deveres.
Rebeca quis ser como eles.a sua vida etérea estava presa por um fio e então pediu aos deuses para que a ajudassem nessa tarefa importante, ou mesmo crucial, de nascer.
Cintilava debaixo duma bota de verão, mas libertou-se a tempo de subir refletindo na súbita e bizarra ideia de nascer, o que transformou a subida numa aventura desmedida e estática, eram  largos os segundos que a escada levava a subir.
Aproveitou o espaço entre três filhos que se acondicionavam o melhor que podiam nas linhas direitas e estreitas da escada rolante, e fez a viagem ascendente,  e, sensivelmente a meio do percurso,  passou por ela cruzando olhares.
estava traçada a linha da sua vida, era o zero de um gráfico a primeira coordenada fundamental.
Rebeca é  uma linda menina de dois anos, concebida nos movimentos ondulatórios do metal, do gosto pelo regresso contrário. pelo gasoso, ou pelas gotas de orvalho, afastadas de Rebeca tanto quanto a sua mão inexistente estava impossibilitada de lhe tocar.
Era por isso que decidira adquirir um corpo vivo e presente, nada comparável às estrelas, meros pontos de luz inalcançáveis.
Nessa altura, fazia o caminho de mão dada, até atingir a idade adulta e comprar uma mala amarela que usava orgulhosamente, e que brilhava como um sol que perfurasse o céu cinzento, primeiro devagar e toscamente, e depois conquistasse, lutando como um escravo do tempo, a libertação total.









sábado, 20 de junho de 2020

o suspiro

Haveria de ter prosseguido no momento certo. Não agora que já me esqueci.

#Sim, havia o silêncio
nas ruas, nos quartos das
pessoas,
quando um enorme suspiro
se ouviu
pela cidade.
Reverberou
sobretudo junto aos telhados
lá para os andares mais altos,
de janelas vagas, onde a
persistência
do som
se  sente melhor,
se ouve mais nitidamente
o arrulhar
das pombas ocupando
os beirais,
se topam os gatos reinando,
sorrateiros,
rodeando os velhos que
depositam
pratos com sobras de comida
sobre as telhas.

Atravessou o dia e a noite,
silenciou o ganir do cão,
o mocho e a coruja,
a panela de pressão,
assustou crianças, que ficaram
adultas,
irremediavelmente,
naquele momento, tamanha  foi a
grandeza
dos decibeís daquele queixume.

Havia filhos e pais que
dormiam,
mas também havia homens
que sorriam para
as quadrículas
em ocre e cor de laranja
e que
desciam
até à correnteza das árvores.
desfilando todos os dias
pelos passeios
das avenidas,
ou homens que  tinham vasos
pendurados
em velhos canos, nas suas águas
furtadas,
com solitárias flores alegrando,
as invisíveis linhas mestras que
separam
o céu de tudo o resto.

Ocupou os espaços possíveis,
sobrepôs-se ao canto das aves
todas,
originou inclusivamente,
movimentos
sincronizados
para o vento se libertar
das suas amarras,
para fazer balancear o vaso
e para fazer cair
algumas pétalas vermelhas
das flores da
sardinheira
suspensa no ar.

O homem fez uma festa ao
animal,
equilibrado a comer
as cabeças dos peixes,
desfez o sorriso aéreo que lhe
tinha provocado
a manhã luminosa,
debateu-se uns segundos contra
o empeno da madeira e fechou
a janela.









terça-feira, 16 de junho de 2020

Nómadas

Embora Jaime Passadas fosse #nómada, a sua esposa, Gertrudes, não era.
De forma que acabaram por comprar um apartamento em Loures e por ali permanecer, por uma certa imposição de Gertrudes que queria para os seus filhos uma vida calma nas escolas e, mais tarde, na faculdade, tendo em mente que, pelo menos um dos três fizesse o curso de enfermagem, por causa da avó Lurdes que precisava de um.
Jaime Passadas cedera mas avisara, de antemão, que haveria de ter de dar uns giros, era mais forte que ele, não se controlava.
De forma que, bastas vezes, vinha com aquela conversa, "não te preocupes, vou num pé e venho no outro", dizia nessas ocasiões, e na verdade, saía de casa aos saltinhos, até calçava dois sapatos diferentes, um para a ida e outro para a vinda, não fosse o tempo mudar.
Quando, por variados motivos, não podia dar as voltas maiores, o seu velho camelo era imprescindível mas nem sempre colaborava, vivia no lugar de estacionamento que tinha na cave, e fazia a alegria das crianças do prédio, e enraivecia os adultos, então ele prontificava-se a ir às compras ou à mercearia comprar fruta, só para fazer o gostinho aos seus antepassados e aos seu familiares.
Gertrudes Passadas era uma mulher resignada, até ao dia em que o seu catraio mais novo, com apenas quatro anos, declarou, em grande birra e gritaria, querer dar a volta ao mundo montado no camelo do pai.
Pareceu à senhora estarJorginho a ser muito mal educado, a chamar nomes ao progenitor, não entendendo que se tratava apenas de equívocos de linguagem, ainda por cima numa criança de tenra idade, com pouca noção das palavras.
Foi, em boa verdade, esta situação que desencadeou todas as outras brigas e conflitos, e nada a ver, como se diz por aí à boca cheia, com as diferenças entre os dois. Seguiu-se um divórcio litigioso que durou anos nos tribunais.
E se hoje nos cruzarmos com um homem solitário olhando a areia da Caparica como quem olha o deserto do Magrebe, ou mesmo mergulhando nas límpidas águas do Atlântico, é Jaime Passadas que trocou o camelo por um par de barbatanas.
Elisa Costa Pinto, Carla Mendonça e 33 outras pessoas
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Música


Cada candeeiro
não era mais do que um
ponto de luz
ao fundo da janela
e enquanto a cidade dormia
tudo se transformava
ficava líquido e transparente,
e límpido,
e raras palavras
formavam círculos
concêntricos
no espaço preenchido
pela água.
E enquanto a cidade
se movia
dentro das casas, ela
assentava as sandálias
nos degraus
da estrada
olhava por trás
do chapéu de chuva
para as nuvens escondidas
no escuro,
para a música
e para tudo o mais
que ali não estava.



Elisa Costa Pinto, Cristovam Duarte e 40 outras pessoas

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segunda-feira, 15 de junho de 2020

O Poema Nascia, Mal Construído

Primeiro, o poema nascia, mal construído, explodia em frases atabalhoadas, sem propósito, ou continuidade.
O homem mirava as palavras só pelo prazer de as mirar, como um observador do esvoaçar das borboletas.
 Até lhe faltava o fio para fazer colares, ali sentado no muro de pedra que serpenteava por toda a vila, sinuoso.
Quando chegava, pendurava distraidamente, o lenço de seda no cabide metálico, que ainda hoje se encontra mesmo na entrada de casa, e fechava a porta da rua para a não abrir tão cedo.
Nem lhe importava ver nascer o sol, dava pelo seu nascimento, porque se estampava na parede contrária.
Enquanto preparou uma refeição rápida, qualquer coisa de dez minutos, não mais, o tempo estava demasiado cheio de comida inevitável, de sumos de laranja doce que circulavam, viscosos, como se imprescindíveis para o organismo, fechou, maquinalmente, as cortinas. Para travar o sol  na sua brusquidão, e fazê-lo passar mais leve, para o outro lado. o lado de cá.
Ato conseguido.
Reaparece, ao de leve, com o  formato alterado das flores #ocres do estampado do tecido.
Havia no fulano uma certa contrariedade. uma dor solitária que se percebia nos seus olhos, com os melros verdadeiros cantando e voando em falsos arabescos, mas prestando-lhe a máxima amizade possível.
Eu percebia serem apenas meia dúzia de versos que por ali andavam, os versos da manhã luminosa que o devoravam às primeiras horas do dia, vorazes.
O café estava preparado sem a sua intervenção. Materializara-se, fumegando, na cozinha e ele sentava-se para o beber.
O verde ia carregando, à mesma medida que verão passava,  pelas janelas abertas, de um ao outro lado da casa respirava-se ar. que era o tempo relativo da vida, e que se atravessava na paisagem costumeira, abanando as asas e enchendo de oxigénio a atmosfera.
Depois do café, uma pausa para olhar. com olhos de ave, a árvore que o acompanhava, ano após ano. Eram infundadas, as afirmações de que as últimas se mantinham imóveis para sempre,
O poema surgiu, enrodilhado em si próprio, num caos de cordas caídas de um dos troncos. e, simultaneamente, na estrada lá ao fundo,  uma bicicleta era conduzida por si próprio, alguém usava  o seu capacete laranja, protegendo a cabeça. Reconhecia-o de outros lugares, daqueles que se esfumavam na memória.
Cada caixa, sua história.
Cada estante, de prateleiras pretas, continha entre dez a vinte livros, no lugar mais fundo, para estarem escondidos do sol maldito, que lhes comia as lombadas, inevitavelmente.
Muitas horas depois,  cirandava pela noite fechada a sete chaves, limitada pela escuridão, nem se apercebeu  já não haver imagens decalcadas na tinta branca, indícios de recados esclarecedores de que os dia vão morrendo, um de cada vez.













quinta-feira, 11 de junho de 2020

#Juventude Sem Nome




A senhora está proibída de mencionar pássaros
durante três meses.
As pessoas não têm asas e cansar-se-ão da sua
conversa aérea,
isso é para aves comentarem entre elas
não para humanos,
que querem tudo ao mesmo tempo,
sempre zonzos de  verem tantos em bando,
desarvorados,
rasando o corpo de todos os que desgraçadamente
por lá
passarem no jardim.
Medo!
Veja pela janela, é verdade, as andorinhas
brincam à nossa frente.
E pronto, já me senti persuadido a dar-lhes atenção,
está bem,
mas eu insisto, a senhora não deve oferecer toda
a sua  aos ditos
...eu nem me atrevo a mencionar. nada!
Não é bom para si, nem para ninguém.
Escondem-se nas varandas atrás das velhinhas
que
estendem a roupa com dificuldade,
ou magníficos, enormes,
com as suas cores quietas, acabadas de pousar.
Como se fossem reais.
Não, minha senhora. Não são.
Já recomendei vivamente que pare com isso.
Vê algum, no momento?
Eu não...
Espere, alguns patos descem o rio e, de facto,
vejo duas garças brancas que cismam nas suas
vidas elegantes, com os pescoços
dobrados sobre a água.
Francamente!
Também ouve? Ouve o quê? Ora ouve...Cantos
noturnos?
Isso é que é engraçado, um pássaro noturno que grita
o ano inteiro, escondido na noite.
Que parvoíce estar a dar importância aos pormenores.
Pombas, sim... pombas há muitas por aqui...








quarta-feira, 10 de junho de 2020

O #Império Dos Pássaros


Um pássaro invulgar
dançava hoje
nas árvores.

Olhou, aterrorizado.
Uma página,
fundamental e virtuosa
acabara de desaparecer.

Um pássaro invulgar
dançava hoje entre as árvores,

Escondeu-se,
e ficou quieto, nas folhas,
a topar-me com
os seus olhos de ave.

Eu, deixei de o ver,
tão rápido se moveu
e desapareceu por
entre a folhagem.

Aves que voam,
pousam em plátanos
Adamastores e
pinheiros bravos,
constantemente.


Aquele tinha umas
cores inusitadas.

Fomentámos a curiosidade
um pelo outro
e espreitá-mo-nos,
mas,
quanto mais me chegava
perto,
mais ele se afastava.
Até....
às asas que batem,
às asas que batem,
pelo ar.


Era a página onde
cores indiscritíveis
se podiam ler.
E logo essa!
Voara nas espirais
do vento,
como as  andorinhas
sem nome
que brincam à
minha frente.

Um pássaro invulgar
dançava hoje
nas árvores.

Mais tarde,
olhou, aterrorizado,
para a janela defronte
e verificou que
uma página fundamental
e virtuosa
acabara de desaparecer.

Um pássrao invulgar
dançava hoje entre
as árvores.

Escondeu-se
e ficou quieto, nas folhas,
a topar-me com
os seus olhos de ave.

Era a página onde
estavam descritas as suas
cores, indiscritíveis,
ou inusitadas.
E onde se podiam ler.

Fomentámos a
curiosidade mútua
e espreitá-mo-nos,
um, escondido
entre a folhagem,
o outro, andando,
de corpo  vulnerável.
e em passos habituais.

Um pássaro invulgar
dançava hoje
nas árvores.







domingo, 7 de junho de 2020

Tantas Recordações da #Farmácia Amarela, onde a minha avó ia comprar as pírulas todas necessárias!
Levava um cestinho, colocava uma manta pelas costas, de verão e de inverno, não queria saber desses pormenores do tempo.
Ela própria a tricotara com fios de teia de aranha, onde tinham estacionado, obrigatoriamente, na sua queda livre, quando se despegavam da planta, umas pequenas flores violeta, já meias secas, com tons de outono.
Bela capa que construíu, e para mais com um Capuchinho Vermelho a condizer, como ela sempre gostou.
A minha avó era uma pessoa de hábitos, passava sempre na mercearia e na padaria, todos os dias.
Mas também, só havia uma rua para chegar a qualquer lado da aldeia e esses sim, que eram uns lados enormes, feito de montanhas.
Para ir à Vila, era necessário atravessar aquelas íngremes e difíceis subidas, onde encontrávamos o lobo mau, que se desviava do trilho para nos deixar passar, e falavam os dois, tu cá, tu lá, sempre assim quando se cruzavam em território de ambos.
E enquanto me dava a mão para me ajudar a saltar umas raízes mais corpulentas, ía-me
contando a história de um homem antigo que, indiferente a todos, declamava poesia no cimo das serras, cantando a sua aldeia perdida ao horizonte.

O Berro

Era necessário escolher  a pessoa mais competente para indagar da monumentalidade das árvores.
Os peritos, escrutinados  entre os melhores, foram selecionados numa apertada e rigorosa triagem até restarem apenas dez.
Desses dez, três perderam- se pela fase seguinte, por falta de capacidades cognitivas, era fundamental estar atento a tudo, não só aos seus braços gigantescos, como ao que se lhes pudesse relacionar.
Na prova seguinte, considerada a mais difícil das sete que lhes eram propostas, os candidatos eram obrigados à enormidade física de lhes subirem pelos troncos, até não mais se ouvirem os gritos das vozes cá em baixo, de onde as observamos sem a devida vénia.
Daí os sussurros, "ouves-me, ouves-me?", ecoando no espaço. Dessa escolha, de onde só haveriam de provir os audíveis, recambiados outra vez para a a terra, os outros atingiriam uma tal leveza que deixaríamos de os observar e ficariam a apreciar o resto dos trabalhos da junta de freguesia, enquanto espreitavam a monumentalidade que antes não houveram sido capazes de ver.
Na última de todas as fases, apenas dois disputavam o lugar tão referenciado, pelas melhores razões,
Acabavam por formar um imenso toldo sobre a terra.
Alguns caíam, como era previsível, outros deixavam de se ouvir.
Ganhou o lugar.
Forneceram-lhe todo o material necessário para a escalada sem fim, até ao topo das árvores. O capacete, deram-lhe também uma farmácia inteira, para que nada lhe faltasse, e outros apetrechos indispensáveis.
Ela parecia rir-se daquele pequeno animal de mochila às costas, que haveria de tentar aproveitar as junções dos seus ramos para se fixar na subida ao seu corpo aéreo.
Também sabia que haveria de chegar a uma altura em que só os seus jovens rebentos se manteriam a pairar ao sabor do vento. Isso é coisa de velho eucalipto e não de seres humanos.
A sua complacência foi exemplar. Deixou-se estar quieta, não vergou, nem quebrou ao peso da criatura, apenas algumas folhitas mais curiosas se dobraram para observar o animal, que curvava o dorso sobre si próprio, com os pés bem acentes na madeira e as mãos agarrando com força.





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