sexta-feira, 24 de abril de 2020

Mil versos e Um Gato

Imagine a senhora que o 
O meu gato é um gato 
Poético, anorético,
Anda com as mãos nos bolsos,
Magríssimo,
Mas nem sabe que é poeta
Porque ninguém o informou.
Hoje, não foi ontem nem vai
Ser amanhã,
Foi hoje,
Entrou, tímido, no autocarro,
Ocupou todos os lugares
Sentados
E acabou por ficar de pé
Aos encontrões às pessoas
Que iam de pé também.
Imagine a senhora que
Coçou uma orelha com a pata
Fincando as unhas no pelo
Brilhante, suavizante,
Deu uma vista de olhos
No jornal das parangonas
Deixou-o abandonado no mesmo
Chão
E começou a recitar #mil versos,
Ai os versos, perco-me neles,
Imagine a senhora!

Ocaso ( O Inspetor Januário)

O inspetor Januário já se encontrava no local quando a equipa de peritos forenses chegou, duas horas atrasada.
Depois de vestirem os fatos de proteção, chegaram-se ao local do crime que já tinha as provas previamente marcadas pelos funcionários da polícia.
_Bom dia, Inspetor. Então, o que temos aqui?_
_Vítima do sexo masculino, de oitenta e seis anos, Norberto Cunha, como indicam os documentos que trazia no bolso. Os cabelos em pé e os olhos fora das órbitas levam-me a crer que morreu de susto._
_Não nos precipitemos, inspetor._ respondeu o técnico enquanto calçava as luvas_ pode ter morrido eletrocutado por causa do aparelho auditivo. Acontece com mais frequência do que imagina. Aquele guardanapo não está marcado. Porquê?_
_Isso não é. Fui eu que comi uma sandes de carne assada enquanto esperava por vocês. E aquela garrafa de cerveja vazia também é minha._
_Bom, bom... Voltemos ao cadáver. Espere. Onde comprou a sanduiche? Tenho fome. Mariana, vai lá buscar duas. Uma para mim, outra para ti. E um compal de laranja. Pronto. O cadáver. Repare nas unhas do indivíduo. Sujas com aquilo que parecem ser pedaços de carne mal passada, mas no laboratório confirmarão. Alto lá, inspetor. Roubou a sanduiche ao cadáver?_
_Ora... Morto já não precisa comer. Esqueça lá isso. Há quanto tempo lhe parece que ocorreu a morte?_
_Talvez ontem, pelo #ocaso, mas ainda é cedo para falar numa hora precisa. O pãozinho estava bom? Agora ficamos sem saber onde foi comprado. Se calhar foi a esposa que lho preparou. Mariana, vai lá a casa do homem, avisa a senhora do ocorrido, e vê lá se ela nos arranja duas ou três. Com um bocadinho de molho. Inventa qualquer desculpa. Diz que o falecido está com uma larica desgraçada, ou que ainda não está bem morto e precisa de comer... Inventa qualquer coisa, tu és capaz. És das melhores a falar com os familiares. Vai._

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Mais um sem pressas

Um dos principais personagens desta história não existe. Existe a sua obra, e nela vêm refletidas a sua sensibilidade, a sua inteligência, a sua forma de ver o mundo, e até os seus pequenos e grandes dramas as suas alegrias, tudo o que nos levaria a crer tratar-se de alguém de carne e osso, mas, na verdade, não é assim.
Exposto na biblioteca principal da aldeia, está um computador colocado sobre uma mesa de madeira, aberto, e uma cadeira do mesmo material onde não se vê ninguém.
Todos os dias, já a horas tardias e depois de passar o guarda nas suas rondas, podíamos, se lá estivéssemos, ver as teclas do teclado mexerem com grande desenvoltura, como se quem as utilizasse tivesse uma vasta experiência da sua utilização.
Tempos houve em que, na mesma mesa de trabalho, uma caneta percorria rapidamente o papel, deixando nele impressas frases maravilhosas, ........... ( a continuar. Agora não me apetece)