sábado, 30 de janeiro de 2021
e, dava-lhe a frescura
do seu corpo a beber.
sentavas-te, silencioso,
com os olhos fixos num
ponto inantígível para mim.
O gato está sentado,
quieto e silencioso,
com os olhos fixos
num ponto inatingível.
Faz-me companhia
enquanto olho para
o casaco e me lembro
de alguns episódios que
lhe estão agarrados à cor,
ou ao formato,
ou ao cheiro, não sei,
de quando me contavas
segredos e eu, por
encantos e feitiçarias
te dava a frescura do
meu corpo a beber.
Deu-lhe a frescura do
seu corpo a beber,
O gato está sentado, quieto
e silencioso, junto a mim.
Fixa os olhos num
ponto inantigível,
daqueles que só os
gatos conseguem ver.
Do outro lado da sala, há
um casaco pendurado no
cabide, com histórias que lhe
estão agarradas à cor,
ou ao formato, ou ao
cheiro, não sei.
Contavas-me as tuas
aventuras e desventuras
e eu dava-te a frescura do
meu corpo a beber.
A viver na companhia
de velhos vasos com
flores alagadas pela
chuva insistente.
Velhos vasos alagados
pela chuva insistente,
Tomavam conta da casa.
O gato nem queria saber.
Velhos vasos alagados
E a chuva insistente
Batendo à porta
Dando-lhe frescura
O gato nem queria saber. Só queria dormir sossegado e assim, quem tomava conta da casa eram velhos vasos alagados pela chuva insistente.
No momento da camélia b se aproveitar da frescura das suas gotas era quando elas caíam brancas, sobre o inverno
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
Uma #Pauta para Pássaro
À conversa com um pássaro que me veio pousar no parapeito da janela, contei-lhe os meus receios.
Acharão, decerto, estranho que tenha iniciado conversa com uma ave, já que, para além de não falarem para nos poderem responder, nem sequer são bons ouvintes, cortam-nos a palavra constantemente, para cantarolarem pequenos trechos melódicos sem interesse nenhum, muito melhor do que eles cantam alguns homens e mulheres, muito mais belas são as notas dos instrumentos musicais que o homem foi inventando ao longo dos tempos.
Ainda assim, e muito por não ter com quem falar no momento, expus-me a essa situação ridícula e embaraçosa, acaso algum vizinho passasse por ali e desse conta do insólito.
Durante alguns segundos, em que esperei de forma inconsciente que ele fizesse o que lhes é habitual, que seria partir como chegou, naqueles seus jestos nervosos e delicados, quase parece, às vezes, que nem chegam a pousar nas superfícies, tal é a rapidez e a instabilidade com que se movem, ficámos-nos a olhar mutuamente, cada um à espera da reação do outro.
Após esse período, que me pareceu muito longo, mas que provavelmente nem terá sido, somos enganados muitas vezes pelo tempo, comecei a contar-lhe, não direi a minha vida toda, porque também não sou assim tão idiota, que, sem o conhecer, lha fosse narrar ao pormenor, para ele ir fazer mexericos com os vizinhos, sob a forma de trinados e gralhadas.
Logo no momento seguinte, e porque não foi a primeira vez que me pareceu vê-lo esvoaçando no jardim da casa em frente, à procura de alguém, arrependi-me.
Como eu imaginava, pouco ouviu do que eu lhe disse, parecia uma conversa de tontos, eu falava em alhos e ele respondia em bugalhos, e dali não saímos durante toda a manhã.
A determinada altura, confesso que não saí mais cedo dali, nem foi tanto por mim, o sol, no seu percurso arqueado, bem que me incomodou em determinados momentos, senti-me enebriar demasiado pela sua languidez, foi mais pelo animal, que parecia satisfeito por ter alguém com quem partilhar a manhã.
O clima é instável nesta altura do ano e, de um momento para o outro, o céu ficou cinzento e uma chuva forte, sob a forma de aguaceiro, começou a cair. uma chuva inadequada para aquilo que me ia sair da boca, em tom irado e dominador, "Voa daqui para fora, já não te posso ouvir", mas tive pena dele, eu que sou um coração de manteiga, e ele, ali onde se encontrava, estava protegido pela reentrância dos telhado, não consigo ver pássaros à chuva, incomoda-me, é obvio que o deixei ali estar.
Por tudo isto, acabei só por lhe confessar por onde andava de noite, quando fechava os olhos, mas isso não é coisa pouca, são os nossos sonhos que se revelam, mesmo aqueles que se prendem com o facto de estarmos acordados,
No dia seguinte, bateram-me à porta. Estranhei, à quela hora, ou a outra hora qualquer, não era comum que alguém tocasse à campaínha sem um prévio aviso, um telefonema ou uma simples mensagem de telemóvel.
Um desconhecido, com nariz adunco e cara de poucos amigos e que se encontrava desenhado na minha cabeça há muito, ali estava agora, parado à minha porta.
_Escadas que sobem e descem sem fim possível, odores flutuantes que vagueiam entre as velas e as suas chamas e sombras que se deslocam nas paredes pelo tremor delas? Universos diferentes? Tem de me acompanhar, está presa!_
E aqui fiquei, já nem sei por quanto tempo, encerrada numa gaiola.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2021
xmdjej
sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
SERÁ ESTE?
As ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, e como a noite é a mãe de todos os medos, foi com algum receio que me atrevi a passar.
Quando o vi, lá ao fundo, desciam as pedras cinzentas pela rua abaixo, passavam a curva, quase saltavam do chão, pareceu-me que o seu corpo era demasiado grande, tinha um fato azulado que rebentava pelos ombros, de onde, dos seus pontos equidistantes, aflorava aquilo que me pareceu ser uma cabeça de tamanho anormalmente pequeno, mas imaginei que fosse do ângulo que o meu raio de visão fazia relativamente à entrada do restaurante, ou de algum reflexo de luz enganador.
As ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, sobem e descem, geometricamente, os topos das colinas arredondam em parques e cruzamentos, cinzentos, por vezes.
Aquelas grandes línguas amarelas dos candeeeiros a lamberem as vielas, o homem estava de costas quando passei por ele, indiscutivelmente estranho, parecia uma figura fantástica que tivesse escapado de um qualquer universo ainda por encontrar.
Eu, no momento do nascimento, abrira os olhos para ver a luz do dia, não imaginara uma janela como aquela, rente à cidade, nem os passos incontáveis que nela haveria de dar, nem sequer fantasiava tantos ratos, nem por um momento suposera que um dia carregaria monstros dentro de um livro e que os transportaria debaixo de um braço comprido e fino, bem maior do que era de esperar.
Encostado à esquina da porta, de costas para mim, confirmava-se a desproporção.
Não consegui ver-lhe a cara, passei silenciosamente, com medo apavorado da possibilidade de ele se mover, imaginava-lhe as passadas, uma das suas para três das minhas, as ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, nem se chega aos miradouros ou ao sol, quando temos nas mãos livros cheios de histórias incómodas, quase escorregando após inclinação perigosa, a descida é íngreme, mesmo quando as ruas de Lisboa são elas mesmas, o movimento das ancas desiquilibra-os e não queremos que caiam, desamparados.