domingo, 31 de março de 2019

Levedura

Para dar descanso à cabeça, e para desentorpecer as pernas, Herculano gostava de brincar com o animal. Sentava o rabo achatado numa pedra qualquer, agarrava num pauzito que por ali estivesse no chão, atirava-o o mais longe que conseguia alcançar, e a galinha ia a correr buscá-lo e trazia-o de volta preso no bico.
Os cães tinha uns certos ciúmes da galinha Laurinda mas não o relevavam pois sabiam que o seu dono, ele próprio haveria de lhes dar, ao final da tarde, depois de um duro esforço intelectual, metido no escritório todo o dia, e para relaxar, uma boa porção de comida desidratada da melhor existente no mercado, com flocos de #levedura  tailandesa e sementes de jasmim.
Um dia, um dos cães mais robustos adoeceu e foi preciso levá-lo ao hospital.
Chamou a esposa, que preparava o jantar dos seu pequenos monstros imprestáveis, e ela, preocupada, largou tudo o que estava a fazer, meteu as crianças numa jaula concebida para deixar filhos amados sózinhos, deu-lhes água mineral proveniente de uma maquineta que adquirira e que mineralizava água deixando-a com o equilíbrio iónico recomendado pela OMS para pequenas bestas parvalhonas, atirou-lhes ossos a fingir, que comprara, de materiais pouco perecíveis, é certo, mas necessários para evitar que eles lhe roessem as pernas das vacas enquanto dormiam, duas garrafas de cerveja e um balde para as necessidades feito em cartão reciclável, agarrou a mala disforme e gorda de tantas faturas e papeís multibanco  que engolia e não conseguia vomitar sem ajuda, pegou no bicho e entrou no carro para partirem a toda a velocidade possível.
Felizmente, não era nada de grave e regressaram satisfeitos, por causa da alegria contagiante que tinham encontrado no ambiente da clínica hospitalar, e pelas rápidas melhoras do cão que conduzia, agora, o automóvel.
Laurinda esperava-os ao portão.







sábado, 30 de março de 2019

nxxnl



Vanda perdeu-se na floresta de cimento.
O seu estado lastimável, o cabelo desgrenhado,
e os olhos enlouquecidos
afugentavam as pessoas a quem
fazia perguntas entarameladas, nas ruas.

Joana queria sair do seu corpo fazia muito tempo.
Pensava, mais uma vez, no assunto,
enquanto se apoiava  no caixote do lixo
para descansar de vadiar pelos passeios e pelas praças.
O caixote era verde, e Joana tinha um vestido azul,
que é a cor cativa das nódoas e da lama.
Nada de relevante.

Enquanto a primeira tinha visto monstros
enormes no parque infantil,
teve que fugir, fugia deles sabendo
perfeitamente da sua irrealidade,
era só porque tinha medo de tudo e de nada,
a segunda já não tinha que beber dentro da garrafa,
e a ausência do líquido alegre
e deslizante, não a suportava.

Os seus lados sombrios encontraram-se
nesse canto
onde não atrapalhavam o tráfego
das pessoas apressadas.

Foi por isso que Vanda foi andando
até às moscas,
porque as moscas são um sinal de vida
e de outras coisas, e sentou-se ao lado de Joana
e não pronunciaram uma única palavra.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Junta

Justamente, e já agora, falo em Justa e Junta, jovens jardineiras e muito amigas.
Tanto Junta como Justa adoravam os seus jasmins, mas Jaime o benjamim,

O júri atrbuíu aos jovens jardineiros, Junta Jacob  Justa Jacinto, e Jaime Gil,  o

Quando Junta Jacob e Justa Jacinto se encontravam era uma festa. E então se o benjamim, o pequeno Jaime Gil, estava presente,

Enquanto os pequenos Jaime Gil, e Joaquim Januário jogavam à bola, as suas amas, Junta Jacob e Justa Jacinto, conversavam, sentadas no banco do jardim.
Quando se aproximavam os benjamins, Junta beijava Jaime, e Justa, beijava Jacinto.

#Junta
e Justa
eram
casadas,
respetivamente,
com Jaime e
Jorge
Joaquim.

Os primeiros
tinham dois
filhos,
Júlia e
João José,
e os segundos
apenas um,
o Luís.

Juntavam-se
todos
no jardim,
a jogar  à batota
junto
aos jasmins.

Jeferson, o
jardineiro,
despediu-se
porque já não
aguentava
mais.



Tem dias

Construção
pequena situação,
forma de ver,
invenção
ritmo irrelevante
de um certo coração,
ou não,
puxa

sistematicamente.
para a frente.
robustas ligações,
Impulsos amorosos,
pequenas liberdades,
que elas permitem,
dominá-las
estupidamente
para depois
me traírem
como falsas.
joías que são.
 .


Pois não admira,
então,
que nomeie,
constantemente,
os pássaros voadores,
para me esquecer
disso

e também
para os ouvir.




terça-feira, 26 de março de 2019

pposss


Celeste, pela janela da cozinha, observou as nuvens a quererem desaparecer  por detrás das montanhas. Percebendo que não choveria nas horas seguintes, agarrou no alguidar da roupa, desceu as escadas do alpendre, e já estava com uma mola na boca e outra pressionada entre os dedos para começar a prender as peças na corda, quando ouviu um assobiar muito próximo.
Primeiro, parecia uma criança a tentar acertar uma melodia, depois transformou-se no cantar de um pássaro, muito afinadinho, mas todos os esforços para  perceber qual era a criatura que produzia aquele som se revelaram em vão.
O som magnífico vinha, parecia-lhe, de um pessegueiro abandonado no fundo do quintal, mas quando Celeste se virava para o local, já os seus ouvidos lhe indicavam outra direção, e mais outra e mais outra, de forma que acabou por rodar sobre si mesma, o suficiente para ficar enrolada no lençol que tinha em mãos, e que já fora estampado com crisântemos brancos em fundo roxo, mas que agora era todo da mesma cor pardacenta.
Sem conseguir equilibrar-se, caíu mumificada sobre as ervas, e foi nesse momento que, incapaz de se defender, sentiu aproximar-se o som do assobio, que a assustava cada vez mais.
Estava Celeste  olhando o céu, devido à posição em que tinha caído, de costas no chão, quando a carantonha de um pardal maléfico se aproximou dos seus olhos, tapando a luz do dia.
Felizmente dois agentes da autoridade iam a passar por ali fora do horário da ronda habitual, Andavam atrasados por causa de um urso que se encontrava na via pública a comer  ervilhas e não queria de lá sair, nem sob ameaça de prisão. Tiveram que utilizar o último recurso, o bailado para retirar ursos da estrada e que se revelava muito eficaz. O urso distraia-se com a coreografia hilariante e deixava-se conduzir pela mão até à floresta de gelo..
Foi o que valeu a Celeste, esse atraso dos anjos de farda.
Ao princípio pensaram que os gritos provinham do velho lençol falante, mas, depois de apurarem o ouvido perceberam que lá dentro estava um indivíduo do sexo feminino, e que se encontrava em dificuldades. e logo trataram de perseguir o pássaro, saltando de árvore em árvore o melhor que lhes foi possível.
Após detenção do criminoso, libertaram Celeste fazendo-a rolar pela colina.








segunda-feira, 25 de março de 2019

Naquela zona da cidade, a inclinação era tão grande


Lá para um canto dos grande jardim da Gulbenkian, havia um canteiro de flores rasteiras. Mas bem no meio delas, nasceu um girassol, que cresceu e ficou muito alto e amarelo, e que todo o dia rodava a cabeça à procura do sol.
Ainda por cima, iria beber-lhes a água toda, porque tinha raízes mais fortes e mais fundas.
Junto ao chão as outras flores, prinncipalmente as petúnias, vaidosas nas suas cores viçosas, começaram a ficar desidraadas, sem força para se levantar

Aqui há um tempo, no jardim da Gulbenkian, num canteiro de flores rasteiras, escondido lá para um canto, nasceu, indevidamente, um girassol.
O seu grande porte começou a tapar muita luz, e as sua raízes, fortes e fundas, a consumirem quase toda a água da terra, pouca sobrando para as mais pequenas beberem, quanto mais para  tomarem banho com a frequência desejada.
O girassol tanto cresceu que se tornou imenso, e acabou por conseguir o completo controlo sobre tudo e todos, e até adquiriu  um apito que levava à boca quando queria  chamar o jardineiro.
O homem respondia ao chamamento, chegava, tranquilo, com aquela tranquilidade própria dos jardineiros, baixava-se para ligar o sistema de rega e fornecia as flores com as coisas necessárias para o duche, pequenos sabonetes cheirosos, toalhas turcas à medida, e esponjas  do mar, que não ferem nem as peles sensíveis.
Transportava  as coisas num carrinho puxado por um leitão encarnado. O bicho tinha um grande laço branco em volta do pescoço gorducho.
Depois de tudo distribuído, e da água ligada, eu própria as vi usarem algumas das suas folhas para segurarem os sabonetes, enquanto que, com as outras, se iam ensaboando, ao mesmo tempo que cantavam uma canção própria para casa de banho.
Mas, quando tudo parecia terminado, e a paz reinava entre as plantas, o girassol resolveu agitar a sua bela cabeça amarela para sacudir as pingas supérfulas, atingindo em cheio as petúnias, que eram de longe as mais inteligentes e delicadas.
Instalou-se, então uma grande querra, que só acabou no princípo do inverno.



Jornada já não aguento mais.

É brutal estarmos os dois aqui sentados, na asa de um avião em andamento, a conversar
Nem me parece assim tanto, parece-me tonto,sou de opinião que mesmo o mais absurdo dos absurdos tem que fazer algum sentido. Outro fator muito importante é que tem que estar bem escrito, de alguma forma ser bonito. Desculpa  o meu modo, sempre versejando, ou falando de literatura, mas já não sei estar de outra maneira.
Ora essa, gosto de te ouvir, embora fales uma língua que não percebo. É musical.
O que eu quero dizer é que não pode um estar vivo e outro morto, por exemplo. Isso não faz sentido
Também é esquisito, mas já não sou Presidente há uns tempos, nessa fase da minha vida saberia explicar melhor, alguém precisar de cinco ou seis vidas diferentes para se expressar, também não é normal, és muito esperto, inventaste uma farsa para teres mais tempo disponível que os outros. Eu compreendo.
Olha ali o oceano que nos separa, nem levantamos voo com o vento nem nada, a maior estupidez e irracionalidade de sempre.
Não foste tu a afirmar que o homem é do tamanho do seu sonho, e não fui eu que pedi à minha Michelle para comprar um iman para pôr no frigorifico com esse dizer?
O quê? De tudo o que escrevi, dos homens que inventei e que ofereci ao mundo, apeteceu-me, serviu para ir parar a um frigorífico, do outro lado do oceano parar ao teu, frigorífico, com um dizer escrito sobre a testa?
Vamos atravessar uma depressão, segura-te bem, Fernado, agarra-te.
Tu, que escreves tanto vê se controlas o número de palavras para podermos parar com esta loucura adiante.
Deus nos ajude.
Concordo.
O que é este ruído, espera vou atender, É a minha mulher.
O quê? É isso um telefone portátil? Isso existe?
Deixa-me falar com ela. Michele, muito prazer, tem de compreender não podemos inclui-la nesta conversa.  Tenho que desligar, com licença.
Espero não ter sido rude.


Tantas Aves Sobre os Jardins da Gulbenkian

Parecem baralhadas,
hesitando entre voar
para longe, ou
para dentro da tinta,
onde os seus corpos,
com a ajuda preciosa
das esferas que lá
estão dentro,
se tornarão viscosos
homogéneos e azuis.

Eu gostava de viver
alheada
desse fenómeno.
Que me lembre,
nada há que faça,
ou tenha feito,
com esse propósito,
nem um gesto,
nem um silêncio
insinuante.

Mas a exigência
das aves é grande
e como posso, e devo,
agradar-lhes,
pairo, junto com elas,
entre as palavras
do tempo impaciente.

Um abrigo,
resolvi construír
um abrigo semelhante,
não de frases
sobrepostas
mas de  sombras
onde, por vezes,
descansamos.

Vejo-as a recolherem
os versos já formados,
um por um,
como se fossem
esguias minhocas
acabadas de sair
da terra quente.

São
uma perturbadora
figura de avião
sobre a minha cabeça,
poucas se afastam,
até serem pontos
inexistentes.









sábado, 23 de março de 2019

vvvv

Matéria de estudo extraordinária

Os pássaros têm uma enorme importância outras voam para aqui, sem sequer, me questionarem, sobre a minha vontade de os escrever.
terei sempre janelas viradas para as árvores para ter o gosto de os ver a voar
a arrogância extraordinária dos pássaros, migrando para dentro do texto, sem me questionarem uma única vez sobre o número de palavras disponíveis para eles.
e contudo sentia uma imensa raiva agressiva pelos ditos.
A menina dos estudos extraordinários teve vinte na prova.


Era uma vez um homem que não tinha nada de extraordinário. As pessoas mais chegadas, os mais íntimos, até lhe chamavam Vasco por causa disso.
O Vasco era uma pessoa sem interesse nenhum, nada de destacável, nem pela positiva nem pela negativa, as pessoas não gostavam nem deixavam de gostar dele, e ele, por sua vez, também andava por ali, nem feliz nem infeliz, nem alto nem baixo, nem bonito nem feio.
Um dia, ia a atravessar, no seu passo normalíssimo, um pequeno jardim, quando tropeçou numa pedra solta.
Colocou o pé sobre ela e escorregou perdendo o equilíbrio.
Na tentativa de não cair teve que recorrer a gestos inusitados, esticou os braços para rodar o corpo tentando estabilizá-lo, por exemplo, ou levantou as pernas intercaladamente, a verdade é que acabou por rodopiar várias vezes. .
Ainda tentou  agarrar-se, um pouco mais à frente, a uma árvore salvadora, mas, infelizmente, as mãos escorregaram-lhe e prosseguiu  naquela dança descontrolada.
Quando finalmente parou de vez, amarado no colo de um turista sentado numa esplanada, já havia pessoas acumuladas sobre os passeios e condutores com os automóveis parados na estrada, polícias, e ladrões,  todos aplaudiam entusiasticamente.
Alguns riam muito bem dispostos.
Também houve os que pensaram ser mais um evento de uma cidade culturalmente viva, e, também esses,  estavam deliciados.
Mas ele, dinamizado pelo ruído da humilhação, transformou-se num dragão e chamuscou toda a gente.











quarta-feira, 20 de março de 2019

Bauhaus

Era um velho remungão, disso ninguém duvidava, resmungava quando estava em casa e tocavam à campaínha, quando ia na rua e o obrigavam a comunicar mais do que fazer um simples aceno de cabeça resmungava qualquer coisa como resposta, um sim ou um não,



Quando disse #Bauhaus
sentiu que a boca
lhe sabia a café.
Foi lavar os dentes.

Não gostou do sabor
da pasta dentífrica,
e estava com
alguma fome,
foi, por isso, preparar
uma fatia de pão
com manteiga.

Não gostou do sabor
da manteiga na boca,
para além de que,
bebia sempre café
depois de comer.

Bebeu mais um.

Pronunciou novamente
Bauhaus.

Voltou a saber-lhe a café.
Foi lavar os dentes.







sexta-feira, 15 de março de 2019

A Mãe, 6

O homem incompleto percorria as ruas da cidade. Caminhava igual aos outros, dava os mesmos passos, pisava as mesmas calçadas de pedras incrustadas em motivos relacionados com o mar.



Um dia chegou a casa e a mãe estava sentada na cozinha, com um alguidar de feijão verde para arranjar em frente a ela, e com um semblante  muito entristecido. Apreensivo, chegou-se à sua beira para a consolar.
"O que há, mãe, estás bem, mãe?"
"Oh, meu filho, não estou nada bem. Sou obrigada, hoje, por motivos de força maior, pelo peso das circunstâncias, a contar-te um segredo que guardo no coração há uma eternidade."
"Ora, mãe..., não será mais uma lamechice que inventaste por causa das novelas da TVI que vês em demasia? Diz-me o que se passa, então."
"Quando tu nasceste eu trabalhava na maternidade. Na altura bordavam-se os lençoís com um pequeno "m", de maternidade, precisamente, e era o que eu fazia. Ficava lá num cantinho a bordar.
Um dia, não sei o que me deu, roubei um bebé de um monte que eles faziam com os nascidos nas horas anteriores e que, ao fim da tarde, vinham recolher.
Escondi-o na cesta dos lençoís e fui-me embora a correr, até me esqueci do dedal e duma tesoura bem boa, nunca mais voltei a encontrar uma igual, mas tinha medo de lá voltar, não fosse dar-se o caso de ir parar ao #xelindró, e eu não queria.
Esse bebé és tu, meu filho."
"Tu não és minha mãe, mãe?"
"Não és meu filho, filho. És filho de outra pessoa que não eu."
"Mas..., porque esperaste trinta e cinco anos, nem mais um nem menos um, para me dizeres?" E, enquanto  interrogava a singela senhora, as lágrimas  desciam-lhe pelas maçãs do rosto, transpunham os aros dos óculos e introduziram-se-lhe nas barbas, desaparecendo na escuridão, até voltarem a aparecer no pescoço, formando  um pequeno caudal.
"E hoje, filho, bateu-me à porta a tua mãe de verdade, a que te pariu, e, embora eu  te ame estupidamente, não posso privar-vos aos dois de se amarem também. Terás de a conhecer, meu filho, e que deus nos ajude.
Venha cá, Dona Rosa. já pode sair do armário, veja o nosso filho, tão mimoso que se tornou.".











quarta-feira, 13 de março de 2019

b,ug,g

A miúda estava sentada no cimo da oliveira, que, como era muito velha, construía abrigos para as crianças, entre os grossos troncos desalinhados  e a folhagem
Balançava as pernas, para tràs e para a frente não via mais nada a não ser o que lhe ia dentro da cabeça.
O céu invadia o espaço livre pelo meio das folhas e das pequenas azeitonas, e era também por lá que entrava o ladrar dos cães, o cantar dos pássaros, o chocalho dos bois e o balir das ovelhas.
A mãe chamava-a, debaixo do alpendre punha as mãos em concha, naquela direção e gritava "Ariana Ariana!", e ela descia da árvore, atravessava o quintal, para se juntar ao almoço de família.
Era ela que punha a mesa, primeiro esticava a toalha, depois baixava-se para tirar os pratos do aparador, os talheres, os guardanapos, e o resto das coisas, até tudo estar completo e arrumado nos seus devidos lugares.
Dois gatos mais atrevidos  vinham das suas casas para assistir à refeição, à espera de uma espinha ou de um pedaço de peixe que pudesse cair no chão.
Ariana sentava-se ao pé da janela. Por lá observava a roupa no estendal a balouçar ao sabor da brisa morna,




Vapor

Em branco névoa
gotas de água
vapor
palavras
soltas mortas
sem
correspondência
com fluidez
mas sem brilho
opacidade
turvação  ondulação
da corrente
o nevoeiro envolve
o esplendor do sol
nos dias terríveis
ficam as gotas
de água
por dizer
pelas bocas
sem brilho
o nevoeiro o vapor
lágrimas prováveis
suspensas
tudo e nada
e vão dando braçadas
esforçadas
na névoa
morta
sem correspondência
alguma
e tudo se repete
gotas de água
vapor ondulação
palavras.



domingo, 10 de março de 2019

#Solos Incertos

Ia concentrado na estrada, a cantarolar ao som da rádio, "Oh, epifânea das epifâneas, ainda bem que regressaaasteee!!!", quando deu conta de um clarão do seu lado direito.
Encostou à berma e saíu do carro.
Á primeira impressão não viu nada de extraordinário, tudo estava sereno, nem os arbustos se mexiam naquela noite sem vento,
Após uma melhor observação do que o rodeava,  vislumbrou pequenas luzes na escuridão como pirilampos espalhados pelos montes, e que brilhavam como olhos de gnomo.
Mais espantado ficou quando várias criaturas pequenas começaram a mover-se em direção a ele.
Em segundos, encheu-se de terror e fugiu entrando no carro o mais rapidamente que lhe foi possível, com a atrapalhação do medo a empatá-lo.
Fez a estrada perigosa, de regresso, à mais alta velocidade, só queria chegar a casa para ter o conforto da mulher e dos filhos, para lhes contar a fabulosa peripécia que tinha vivido momentos antes.
O carro ficou atravessado no caminho com as portas abertas, não havia tempo a perder com pormenores, era importante relatar o sucedido, até saltou o muro do jardim para não ter de abrir o portão.
Gostaria de retornar ao local com mais alguém.
A mulher, estremunhada, mal abria os olhos para o ouvir.
Acendeu a luz do candeeiro de cabeceira, sentou-se como pôde e endireitou o cabelo:
"Andas sempre na lua, meu querido. Hoje é dia quatro, é a festa dos olhos dourados. As crianças saem durante a noite, com os olhinhos cheios de pó dourado e escondem-se atrás dos arbustos. E para mais, Anibal, bebes e fumas muito, e depois ficas nessa ansiedade. Dorme."





sábado, 9 de março de 2019

A #Resistência dos Doze Plátanos

O cartaz está preso
no tronco de uma das árvores.
"Vende-se para construção".

A árvore nua não
consegue tapá-lo,
e eu temo  que
alguém o veja da estrada.

(As folhas, quando as há,
estão ao nível
das janelas  murmurejantes,
copas verdes,
cortinas ondulantes
à vontade do vento.)










quinta-feira, 7 de março de 2019

sem nada


Sem mais nada do que saber 
navegar nos sete mares, 
foi com o que partiu
era o que havia naquele cais 
desolador e frio.

A toda a hora a fustigavam,
os oceanos
com os seus ventos indomáveis,


O momento aterrador 
do tapete lhe ser puxado,
ou ser empurrada da cadeira 
onde estava sentada
bateu com as costas no chão,
Pahhh...!
Foi o que se ouviu

Foi empurrada,
toda a gente viu, 
ou melhor dizendo, 
o monstro inclinou-se, 
agarrou os pés 
dianteiros da cadeira, 
puxou-os, e a jovem mulher 
caíu de costas, desamparada.
Paahhh!

Sem mais nada do que saber 
navegar nos sete mares
foi com o que partiu
era o que havia naquele cais, 
desolador e frio.

A toda a hora a fustigavam,
os oceanos 
com os seu ventos indomáveis...











terça-feira, 5 de março de 2019

Para mim

Ermengardo cantarolava enquanto descia a colina cheia de flores.
Ele e a sua cabrinha montesa, a Laura, iam saltitando por ali abaixo, e de vez em quando paravam para as apanhar e gurdá-las no cesto que a cabrinha trazia ao pescoço
Havia #ócios cor de fogo, vagares azuis, quietações amarelas.
De súbito, o tempo ameno começou a variar. Formaram-se nuvens rapidamente, o vento levantou, e elas circulavam no céu a grande velocidade.
A chuva imensa invadia tudo, as árvores choravam de dor, Ermengardo e Laura estavam debaixo de um grande plátano que sangrava mesmo sangue, ouviam-no gemer.
Laura era uma cabra sensível. Quando ouviu o lamento da árvore, abraçou-se a ela como se fosse sua irmã.
Ermengardo observava, comovido, quando sentiu uma tão grande dor no peito, lancinante, mesmo, de tal intensidade que pensou ter sido apanhado por um dos raios da tempestade que desabou sobre eles. minutos atrás.
Caíu desamparado, e não conseguia levantar-se, Laura não podia ajudar porque tinha os cornos entalados na árvore.
Chovia desalmadamente e as águas subiam, rápidas, Ermengardo e a cabra estavam prestes a morrer afogados, quando uma pomba encharcada falou com eles. 
"Já repararam que esta história é super estúpida? avisou-os mais do que uma vez.
Mas eles não lhe deram ouvidos e, tragicamente, acabaram por falecer.




segunda-feira, 4 de março de 2019

Separação- 4 final




Lá vem ela. Não vai ter lugar para estacionar o tapete voador, é sempre difícil aqui no centro da cidade.
Será que me trouxe o xarope para a  pachorra, como lhe pedi? Não é a primeira vez que se esquece do essencial.
Já lá vão vinte anos desde que trabalha cá em casa e sempre foi assim. Esquece-se das coisas, não é apenas agora, por causa da idade que avança.
Ou então troca os meus pedidos, talvez por ouvir mal, outro dia disse-lhe, não se esqueça do papel higiénico, apresentou-me produtos transgénicos. Um horror!
Ia dar-lhe uma palmada, mas depois lembrei-me que isso não se faz, e desisti. Também porque fui sensível às suas limitações auditivas, afinal foi o som que a enganou.
Puxou o travão de mão, saltou da carpete, como pôde, acabou por a deixar em cima de uma árvore onde não se paga, mas também são péssimos lugares, as pessoas atrapalham-se  caem, e esparramam-se no chão sujando o passeio com as compras, beterrabas, os meus tomates e as minhas cenouras, os meus bolos de arroz cuja caixa se abriu na queda.
Desgraçada que me estavam mesmo a apetecer para o lanche, isso e um chá que comprou, naturalmente errado. Que raiva!
Vou-lhe rosnar e ela vai perceber, ou não..., a ver...
Vem arrotando a chamuça que comeu pelo caminho, que já sabe que lhe cai mal, mas teimosa..., e eu que aguente o caril requentado preso na atmosfera.
A seguir irá para a cozinha, separar os animais em peças, sobre a bancada. Agarra num cutelo e pimba, pimba, é essa a música que terei de ouvir, durante toda a manhã,  Os olhos dos peixes vão passar por mim, a rasar, já sei, isto se algum não me acertar.
Ai a minha vida...

Separação, ( #White_Day, vá lá saber-se porquê )

(Era estranho o modo como reagia à proximidade dos outros. Simplesmente abanava a cabeça em sinal de negação)

A mochila pendurada pelos ombros, quando estava muito pesada. revelava-se um tremenda chatice. Obrigava-o a inclinar o corpo para a frente para lhe suportar o peso.
O que tinha lá dentro, não contando com os documentos, provas de vida essenciais, e que podia mostrar a toda a gente, tudo o resto era tralha.
Prejudicava-lhe a marcha, nas subidas cansava-o ainda mais, e nas descidas impelia-o a ir por ali abaixo.
Não tendo nada de verdadeiramente importante lá dentro, guardou a carteira num bolso e resolveu separar-se dela, abandoná-la num sítio qualquer, com o maior desprendimento possível.
O que mais lhe interessava no momento era percorrer tudo o que havia para percorrer, passo a passo, dispensando tudo o que não lhe permitisse levar o seu objetivo avante,
Então, bem mais leve, prosseguiu o seu caminho.
Alguns quilómetros passados, o seu coração sofreu um grande aperto. Tinha deixado para trás, meia dúzia de frases  num  guardanapo sujo, que tinha escrito tendo o cuidado de contornar as  nódoas do pequeno almoço.
A hesitação nasceu, súbita e grave, onde é que reside a importância das coisas e outras perguntas de caráter abstrato ecoaram na sua cabeça.
Decidiu não as deixar perdidas, e consequentemente, retornou ao mesmo sítio.
Mas quando lá chegou, as gaivotas tinham conseguido abrir a boca do saco, procurando as migalhas indevidas de bolacha que lá estavam dentro.
 As pombas debicando, e elas com os seus bicos aduncos, entretinham-se a destruir as folhas gordurosas, e o invólucro de plástico e outros lixos rodavam no chão, mercê do vento que se tinha levantado entretanto.
Correu a enxotá-las  mas as aves fugiram levando consigo pedaços essenciais da sua prosa sem sentido, sobras ingratas do seu próprio nome.





domingo, 3 de março de 2019

A #Máscara, o Antes e o Depois

Presumi que não houvesse a menor diferença
entre o mundo antes e depois do colar se estilhaçar,
após um acesso de raiva.
Algumas contas rolaram para cantos inatíngíveis,
outras foram aspiradas
perdendo-se para sempre no lixo,
outras ainda,
foram varridas para lugar nenhum.

Só encontrei duas ou três no esconso
onde se guardam as palavras inúteis
e onde não deviam permanecer,
por causa da solidão.

Acontece que antes o mar redondo estava preso nelas.
que  batiam no meu peito
quando andava mais depressa.
(E tudo para mim foi um espanto)
Depois, por um lado não eram absolutamente nada.
mas por outro,
cabiam tão bem nos espaços em branco.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Separação-4

Mais um recurso do mar que o ajudava a não se esquecer de nada. Para isso, tinha-o a ele, bastava um olhar mais intenso, e para lá projetava as memórias, e elas conforme o peso, a densidade e outras questões físicas de somenos importância, deslizavam ondulantes para o seu fundo.
Não era o primeiro, nem seria o último, que aproveitava o casco de um velho barco, na praia, para efeitos semelhantes, tantas coisas que se podem ali imaginar, sentados com o rabo na areia quente e as costas ligeiramente encurvadas, apoiadas na madeira. Lembrar coisas passadas,  fazer planos de um eventual e promissor futuro, se bem que algumas boas intenções morrem ali ao sol.
Também há os que aproveitam para coisa nenhuma, só ficam dormitando, enquanto ouvem o ruído das ondas, cuja bela cadência se torna tão agradável que é vulgarmente roubada à  mãe natureza pelos amantes de poemas e outras inutilidades.
Um dia deixou-se dormir, incentivado pela temperatura morna do fim da tarde.
Houve até um momento em que o  seu corpo ficou cor de laranja, refletindo as tonalidades do sol que regredia no horizonte, até finalmente desaparecer e levar com ele a grande maioria das cores.
É o momento dos pássaros, quase todos, regressarem aos seus ninhos, e aparecerem os morcegos, e os gatos silenciosos, de olhos muito grandes, atentos, sobre os armários dentro das casas,  enquanto outros corações dormem ao relento e acordam cheios de frio, a tiritar, para me expressar melhor.
E tudo o que era sonho voltou. naquela escuridão das noites sem lua, voltou o negrume das habitações de pedra, da palha, dos montes atrás de si.