Numa dessas tardes, em que já tinha caminhado o suficiente para que a voz do bebé se tivesse dissolvido na atmosfera, a miúda embateu em qualquer coisa invisível, como se um vidro muito bem lavado e transparente estivesse a impedir-lhe o caminho.
Deu um passo atrás e tentou tocar em algo que não via mas que haveria de estar por ali.
Chegou as mãos à frente, bem abertas, e com elas sentiu, de facto, uma superfície lisa e aparentemente arredondada. Efetivamente, o que a impedira de prosseguir era uma edificação de forma tubular, formato que percebeu após seguir as suas próprias mãos que foram rodeando o vidro até completarem uma volta de trezentos e sessenta graus, atingindo assim, Zélia, o mesmo sítio, que reconheceu pela colocação estratégica de alguns arbustos de estevas.
A curiosidade não tem limites para uma criança e, numa atitude de reconhecimento, voltou a circundar o objeto, uma e outra vez, até comprovar realmente a sua descoberta.
Após meia dúzia de voltas, Julieta parou, baixou-se para perceber se aquilo estava enterrado na terra e elevou-se o mais possível pondo-se em bicos de pés e esticando muito os braços.
Não soube como fez, mas a verdade é que tocou numa ligeira saliência, que lhe deu acesso, como que por magia, ao interior do tubo.
Estando lá dentro, a menina, sem qualquer controlo sobre o sua própria vontade, começou a elevar-se, muito rapidamente, até atingir o alto da torre, longe do chão umas boas dezenas de metros.
Havia, no centro do compartimento, sem ângulos visíveis em redor, só transparência e luz, uma cadeira branca. Zélia sentou-se.
Não havia mais do que a paisagem absurda das videiras alinhadas, que desenhavam correntes verdes no chão, quadrados de telha vermelha formando, ao fundo, retalhos de vários tons, o rio tapado, na grande maioria do seu percurso, por salgueiros e mimosas, enormes monstros que se moviam devagar enquanto a brisa circulava por eles. As águias sustinham o vôo e planavam à sua frente, até mergulharem em direção ao solo, em busca de alimento.
Pela janela, aberta de par em par, Zélia viu o irmão que adormecera finalmente e a mãe preparando a refeição. E foi quando abriu os olhos, porque adormecera, também ela, debaixo de um grande cedro, enquanto as formigas caminhavam pelos seu pés nús, acordando-a com uma leve comichão.
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