Hoje em dia já todos nos habituámos, mas lembro-me bem que foi uma época muito conturbada, sobretudo para as crianças.
Eram elas que, saíndo de casa, noite cerrada, mais confundiam os candeeiros com a lua, e mordiam, enraivecidos, tudo e todos, principalmente, os amiguinhos mais pequenos, presas fáceis, mas também, nos casos mais graves, pais e professores.
Em casa, notava-se-lhes um nervosismo perigoso, e as famílias temiam pelos seus animais domésticos e pelos idosos.
Mas nem todos reagiram desta forma, apesar de tudo, a menos má para a formação das suas personalidades.
Havia os que ficavam tristes. Muito tristes.
Sentavam-se nos cantos, com os joelhinhos encolhidos em frente ao queixo, sem dizer uma palavra,
Podiam olhar-nos com os olhos secos e brilhantes, ou então, com eles molhados das lágrimas de tanta incompreensão e mau estar. Era francamente desolador.
Veja-se o caso de uma miúda que ia de mão dada com a mãe, carregando consigo uma grande confusão. a cabecinha sensível completamente baralhada, o ar desnorteado, mais intenso do que o seu costume. Vinham de regresso a casa depois da explicação de aritmética, das aulas de natação e de esgrima, como era habitual, e é claro que a senhora atravessava momentos de grande preocupação.
"Ó, meu anjo, não fiques assim. O sol quando nasce não é para todos, é o q' eles `'tão a fazer com isto. Não vêem a tristeza destes meninos? A saírem de casa de noite? Queres um geladinho, ou um pastel de bacalhau? Ou melhor..., queres um gelado de pastel de bacalhau e queijo da Serra?", e fez o ar mais entusiasmado e sorridente possível, na tentativa de contagiar a criança com a sua alegria.
Mas nada entusiasmava o desânimo do seu coraçãozinho.
Só muitos anos depois, já em adultos, e graças ao trabalho conjunto de diversos especialistas, os problemas foram ultrapassados, não obstante ter deixado graves sequelas.
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