Naquele dia o caso era diferente. Desde que tinham começado as obras na vivenda em frente, os homens estacionavam ali a carrinha cheia de materiais, como se aquilo fosse deles.
João Pedro, aconchegou o cachecol em volta do pescoço e endireitou os óculos.
Estava ali um problema bicudo. Em primeiro lugar, eles só ocupavam o espaço durante o dia, logo, não havia possibilidade de lhes deixar o recado, já que essas manobras são para serem feitas pela calada e não à vista de todos, e depois porque, nem sabia se haveria de o confessar a si próprio, aqueles homens todos, que se aborreciam uns com os outros durante o expediente, vociferando palavrões tão fortes quanto as suas vozes, metiam-lhe algum respeito.
Nestas fases em que alguém tinha o descaramento de o vilipendiar, a vida já não era a mesma. O sucedido comprometia fortemente o seu dia a dia equilibrado, mesmo que quisesse pensar noutro assunto, não era capaz, o seu quotidiano tranquilo desfazia-se para se transformar até em raiva, ficava sem paciência para as crianças, falava secamente à mulher, enquanto ela se queixava inutilmente de ser pau para toda a obra, nem a ouvia, a irritação ocupava-lhe a mente, nem o dia de trabalho, o patrão a palrar e ele sempre de acordo, "#yes_men", "yes men" era o seu lema, já tinha evitado muitos dissabores pela sua postura submissa.
No emprego, ainda vá, vamos dizendo que sim a tudo, mas na nossa vida particular, também? Porventura não veriam as pessoas que há direitos que se adquirem, que ele vive mesmo ali, precisa do espaço muito mais do que qualquer outro?
Um prego. Quando pensou no prego a sua disposição tendeu a melhorar. Sorriu para a mulher, agarrou no aviãozinho com que o filhote brincava e movimentou-o no ar. A criança, pasma com o facto do pai se incomodar a prestar-lhe atenção, ficou de olhos arregalados, observando.
_Finalmente estás bem disposto, João Pedro. E posso saber a razão._
_Um prego, Sónia, lembrei-me de um prego!_
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