Passava por tormentas sem a inspiração necessária, que era para ele sinónimo de tabalho, de produtividade, de dinheiro vivo que lhe pagasse a existência, cujo desenvolvimento está dependente dele, de forma que era obrigatória a produção de ideias e o seu desenvolvimento, mal estaria alguém que, ao acordar, e após os primeiros instantes de intenso desagrado por ser obrigado a ir para o emprego, não conseguisse ultrapassar esses momentos negativos para seguir o seu dia com o mínimo de boa disposição e bem estar, para que, ao final do mês, recebesse a devida remuneração.
Com ele não era de todo assim. O seu processo imaginativo tinha que ocorrer do nada, uma ou outra vez era catapultado por algum mestre do ofício, que lia em páginas geniais escritas por alguém que não ele, ou algum fenómeno da natureza que por acaso se lhe apresentasse de forma diferente, ou um pormenor sem importância, mas que podia, e devia, crescer à medida que o fosse trabalhando mentalmente.
Certo é, que não era a obrigação imposta e habitual de cumprir determinado afazer que dinamizava o seu trabalho, não. Podia apenas contar com o decorria dentro de si mesmo e, para isso, não se nos apresentam dietas, panaceias, ou outras artimanhas conhecidas, que possam despoletar, tanto a vontade, como a obrigação de escrever.
De forma que agora, ali, perante o lume, ou mesmo durante a tarde, quando observara quem passava na rua, sentia-se completamente indiferente perante o facto de ter assistido ao passeio que a mulher fizera com o seu cão, que cheirava o chão enquanto andava, puxando a trela para a frente, que esticava obrigando a senhora a agarrá-la com acrescida força. Afinal a criatura não passava de uma criatura qualquer e o cão era apenas um cão vulgar.
Olhava para a lareira, prevendo que as chamas diminuíssem nos próximos minutos, se, por acaso, não se levantasse para as alimentar com mais lenha, mas deixou-se ficar, de forma consciente, porque se lembrou que, talvez nas brasas incandescentes encontrasse a motivação que em vão procurava nos últimos meses, meses esses em que o computador era apenas aberto para consultas financeiras ou, eventualmente, para jogar um jogo desses de entretém.
Lá dentro estava, também, o seu livro abandonado pelo meio.
Durante a tarde, já a mulher tinha voltado a casa com o animal, um homem de chapéu preto de abas redondas apanhara, não percebendo estar a ser observado, várias flores do jardim. As roseiras, cujas rosas vermelhas estavam no seu auge, ficou depenada, reduzida a um grande monte de caules com picos e folhas verdes. Mais uma vez, o homem, as rosas e o chapéu invulgar, eram sómente um homem, umas flores e um chapéu, e não passaram para além.
Enquanto lembrava a tarde improdutiva que acabara de passar, mais uma entre muitas daqueles últimos tempos, ele olhava o fogo a esgotar-se a si mesmo e os troncos que estavam ao lado, secos e cascalhosos, inertes e arrumados em pirâmide.
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