"Mãe!", chamava eu, não porque quisesse comunicar com ela. Sabia estar morta há muito, mas para que a figura enigmática e etérea que por ali rondava lhe fosse transmitir uma simples noção apenas, um sentimento sem palavras, mas necessariamente vivo, "Estou próximo, tão próximo de ti. Não vês os meus braços levantados, olha os meus olhos baços." Vai, anjo bom. Vai dar-lhe o recado.
E ele rodava sobre si mesmo, com a elegância do que não se vê assim tão facilmente, abria as suas asas brancas e lá ia, sem dizer nada, e eu sossegava durante algum tempo.
E foi assim, pelos dias do fim, o anjo abeirava-se das grades, eu chamava a minha mãe, um outro chamava a sua, todos o fazíamos, balbuciávamos os nossos amores incondicionais, eternos, perdíamos a dignidade, tínhamos as pernas abertas e esquálidas, os ossos dos ombros, ai esses ossos dos ombros frios, mas o anjo tudo cobria com o seu corpo permeável.
E quando um de nós desaparecia, o anjo dobrava-se respeitosamente, para logo a seguir ir acudir a um outro.
"Mãe! Mãe!" Era o mar que víamos, o líquido infindo e escuro que nos tragava e puxava para o fim do mundo.
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