João, que tinha por hábito observar os astros da janela do seu quarto, grandes como só na imaginação de uma criança podem ser, vivos durante o dia limpo, resplandecentes pela presença de tanta luz, e tão próximos que mais pareciam saídos de uma ilustração, daquelas tão encantadoras que nem os olhos de um adulto resistem a tamanha suavidade, João passava horas nessa contemplação, a mãe contava como via aquela imagem estática do seu menino emoldurado pela janela, de costas para o quarto e para os brinquedos que por lá dormitavam à espera de brincar com ele, contava como não o interrompia, ou se o fazia era apenas para lhe dar um beijo suave na têmpora e regressar rapidamente aos seus afazeres.
Roberta e Sebastião tinham outras formas, bem diversas, de se divertir, relatava a mulher loira, de costas muito direitas, enquanto depenicava uma bolacha que a outra lhe tinha oferecido.
Por vezes, caíam em queda livre, até não se verem mais, sem medo, e depois descreviam-lhe o que tinham visto, na linguagem mais simples do mundo, igual à de todas as crianças pequenas, sem rodeios ou maus pensamentos, só a mera observação dos factos, tão límpida e honesta como só dois meninos podem ver.
Da primeira vez a senhora assustara-se horrores, achara que os perdera para sempre, mas quando regressaram, horas depois, e lhe falaram das gotas de água que caíam direitinhas ao seu lado, cada uma transportando a sua preciosidade, uma cobra enrolada, a bailarina de uma caixa de música, uma flor de #lótus de um azul muito azul, uma velhinha sentada numa cadeira branca, ou como tinham subido os primeiros degraus de uma escada que parecia não levar a lugar algum, ou daquela gaiola tão grande, por onde se passava entre as grades, pelo menos eles, talvez uma pessoa maior não conseguisse, e de como, lá dentro, brincaram aos piratas com um urso de peluche, ou do caracol que subia a colina pintada de lápis de cor verde claro, com a chaminé da sua casca lançando vapores de refeição cheirosa, ela nunca mais se preocupara com o assunto.
A tarde caía e as duas mulheres levantaram-se para regressar a casa. Uma delas puxou com delicadeza a manta que antes estendera para se sentarem. À medida que a dobrava, o cenário parecia decompor-se. As cores misturaram-se, as coisas perderam a forma e foram engolidas pelo princípio da noite e pela sua escuridão, onde agora as estrelas eram muito maiores.
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