Preciosa da Silva tinha combinado um encontro com Raquel.
Havia já uns dias que tentava encontrar-se com a amiga de modo a devolver-lhe uns pertences que lhe pedira emprestados fazia uns tempos.
Tendo combinado às cinco da tarde para um lanche informal, e já um pouco atrasada, meteu para dentro de um saco os três objetos que precisava transportar.
O primeiro era um #perliquitete, com umas belas aplicações de triptonéscia, uma peça muito útil na pulverização de estórnios, e os outros dois eram salmendros, um de maiores dimensões e outro bastante mais pequeno.
Com a agitação que provocam as saídas apressadas, e que é comum à maioria dos mortais, Preciosa não teve os devidos cuidados no transporte de peças tão sensíveis, não as protegeu da trepidação do caminho, envolvendo-as em papéis e plásticos, e elas foram a embater umas nas outras até chegarem às mãos da dona.
As amigas cumprimentaram-se, sentaram-se ambas à mesa de uma casa de chá, mesmo em frente a uma grande janela, e Preciosa, antes que a conversa animada lhe fizesse esquecer o propósito do encontro, tirou do saco os três objetos que colocou em frente a Raquel para ela os guardar na sua mala.
Raquel quando viu o periquitete sem a sua esmórnia fez uma cara que revelava grande contrariedade.
_Então a esmórnia do periquitete? Deves estar a brincar comigo!_ proferiu, questionando Preciosa.
_Hoooo!_ respondeu a outra_ Não sei. Deixa cá ver._ e dizendo isto, meteu o antebraço todo dentro do saco para ver se a esmórnia do periquitete tinha caído lá para o fundo, ou tinha sido o gato Romeu que, em casa, a tinha partido sem ela dar por isso. _ Está aqui_ concluiu, satisfeita.
Mas Raquel estava muito aborrecida, e pior ficou quando olhou para o salmendro grande e praticamente toda a triponéscia que o cobria, nuns belos relevos florais, tinha saltado e já não se encontrava na superfície do magnífico objeto em forma de sisitício.
_Olha para isto! _Raquel quase espumava._Estragaste tudo!_
Pelo canto do olho, Preciosa viu uma criança aí com os seus sete anos, um menino muito bem aprumadinho, vestido com fatinho azul de entona, com o nariz colado ao vidro e rindo-se à gargalhada, enquanto batia com o dedo na montra apontando para o periquitete.
Foi a gota de água, a cereja no topo do bolo, quando Raquel seguiu com os seus olhos a direção do olhar da amiga e também se deparou com a criança.
Após a fúria, Raquel teve um ataque ansiedade e tristeza, percebendo que nada, mas mesmo nada, poderia devolver-lhe em condições tão raras e preciosas peças, e começou num enorme pranto.
Quanto mais Raquel chorava, mais o miúdo se ria, e Preciosa não sabia o que fazer, pelo que foi chamar o menino lá fora.
Sentou-o numa cadeirinha e puxou outra para si, pediu um café e um pastel de nata, e ficou ali sentada a vê-los nos seus variados estados de alma, até anoitecer.
No fundo do forro da sua velha mala, ainda hoje permanecem pedaços e migalhas de triponéscia dourada, embora Preciosa já tenha morrido.
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