Em inconscientes passos verticais, subíamos a encosta rochosa,
colocávamos os pés e as mãos nas saliências da pedra, até ao topo dos topos.
Até lá, a esse cume de vistas desafogadas, de céu aberto para o resto do mundo,
víamos árvores nuas entristecerem o caminho, víamos letras onde elas não existiam,
sílabas que se juntavam, palavras subreptícias e desconexas no meio das altas ervas,
frases contidas nas águas do rio indomável, que preenchia de sons líquidos a atmosfera fria.
Depois, nem sei quantos seríamos por essa altura,
numa alegoria absolutamente desnecessária e disparatada,
inventávamos em torno do bucólico cenário, um enorme acontecimento, que cantávamos juntos preenchendo os recantos da floresta com as nossas vozes.
Névoas de nuvem cobriam, com efeito, vários pontos da paisagem.
Espalhavam-se pela serra como a espuma dos mares a norte, ou em esferas de algodão doce,
que entidades colossais e secretas deixavam cair do céu,
após sumptuosos banquetes
só permitidos e difundidos no universo dos deuses
Ensombravam, tapando aleatoriamente o chão com as suas sombras circulares.
Impressionantemente belo,
e nós, com tamanha dificuldade em retratá-lo com justiça,
com a justiça pobre dos nossos olhos bem abertos.
Após totalmente aniquilado,
o outono desaparecerá das colinas, para dar lugar ao inverno,
e acabar-se-ão algumas cores
Nessa altura, naturalmente nevará,
já as palavras escorregarão pela montanha,
munidas de equipamento alegre e confortável
e de uma folha suficientemente grande
onde possam ser transportadas,
para que desçam vertiginosamente a encosta sem se magoarem,
nem que para isso sejam necessárias portas e janelas,
canetas e papel vazio,
paredes de cimento protetoras. Nalgum lugar muito distante.. .
O vento assustador gritava aos nossos ouvidos coisas infinitas,
silvava palavras eternas,
essas palavras que também tinhamos o cuidado de soltar
quando se enrodilhavam na vista desfogada,
ou recolhê-las, quando ficavam soltas por aí, por essas estradas desertas.
O vento era um aliado poderoso, nosso aliado de sempre,
mas, quando se zangava, socorria-se com violência da sua invisibilidade
e quase nos fazia cair.
Longe do mar em chamas, longe do metal gelado das tempestades,
procurávamos nos pinheiros, a prestimosa cura,
a redenção no granito consistente, na policromia dos seus cristais,
cristais esses que nos obrigavam a franzir os olhos para melhor os ver.
O chão, repleto de agulhas, segmentos de reta sobrepostos em forma de língua,
tentavam falar,
mas, para isso, era necessário antes silenciar os mamutes camuflados atrás da densidade dos montes
teimando em assombrar o mais medroso de todos os caminhantes,
a criança pequena dos reflexos de solidão, brincando com
as raras entradas de sol insinuante
debaixo dos esquilos e das manchas moribundas.
Para nós, era claro como água, límpido, transparente,
que havia versos escondidos nas nascentes, palavras sequiosas de existir,
ligadas tão poeticamente umas às outras, invencíveis e imortais,
espreitando por trás das giestas em flor, turvas de nevoeiro.
E eram os nossos nomes que vinham nos silvos do vento,
nos murmúrios abstratos da água e era o que gritavam, os gritos adejantes das aves.
Sem comentários:
Enviar um comentário