Eu focava os olhos nelas, naquela mancha viva e verde
que bamboleva conforme as correntes de ar,
via-lhes os movimentos infligidos pelo vento,
via-lhes as caras de árvore, tristes no inverno.
e pesarosas no outono.
Via o chão repleto de folhas incómodas e multicoloridas,
que as pessoas preferem, malogradamente, não pisar,
não encher as sarjetas de mantos castanhos,
que entopem as saídas de água,
para os automóveis não avariarem nos charcos,
para que a cidade de cimento não desapareça.
Eu tinha as raízes iguais, por empatia com o seu silêncio,
por simbiose com a sua seiva que parecia
fluir-me nas veias sob a forma viscosa de sangue.
Distinguia-me da sua imponência
não porque não tivesse a terra presa aos pés, como elas,
e as flores selvagens e miúdas espalhadas em meu redor,
distinguia-me apenas quando, excecionalmente,
dava uns passos curtos, incertos e particulares.
Revia-me na sua força, que rebenta as estradas,
serpenteava com elas debaixo das construções
na busca de minerais imprescindíveis para a minha subsistência.
Eu mirava-as, tornava-as meus ídolos, amava tudo quanto lhes respeitasse,
os pássaros que as agitavam levemente,
sentia-me tão prisioneira da sua imobilidade como elas,
sentia igualmente a sua impotência para fugir de uma guerra,
de qualquer guerra pequena.
Era tão vulnerável como um plátano adamastor, ou um velho castanheiro.
Gozava do sol, como se tivesse folhas perecíveis e galhos
que formassem rendilhados
indiscutivelmente belos no inverno,
e também eu aproveitava os ocasos para me aquietar,
para quadricular os raios de sol em milhares de joías luzidias nos dias brilhantes.
e também era eu que tinha folhas perdidas pela casa
como o outono lá fora pertubaria as suas copas, agitando-as,
para que as poucas palavras que ainda murmuram caíssem mortas.
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