Ao dia sete do mês de agosto do ano de 2018, deu entrada no hospital central de uma qualquer grande cidade, um homem sem nome.
Embora garantisse chamar-se Pedro, também dizia ter trinta e sete anos, mas o seu corpo, a sua expressão, a sua fisionomia, revelavam, a qualquer um que olhasse para ele, mesmo distraidamente, tratar-se de um jovem que não deveria ter mais do que duas dezenas de anos, o que levou os profissionais a desacreditá-lo, também, em relação à identidade que afirmava ter.
Foi por essa razão que passou a ter como identificação aquela que se dá nestes casos, que é precisamente, chamar-lhe não identificado,e atribuir-lhe os números habituais, que servem, como outro artefacto qualquer, para nos diferenciarmos uns dos outros.
O seu aspeto era franzino, muito mal cuidado, e para além das palavras que proferiu, numa colaboração quase mecânica, mais não disse todo o outro tempo que permaneceu na instituição até deixar de ser visto.
Pedro lembrava-se, constantemente da mulher e dos filhos saindo de casa de manhã cedo, via-os sentados no automóvel a passar o portão que acabava por ficar aberto o dia todo, para seguirem a sua rotina, ela deixava-os na escola e seguia para o trabalho.
O dia em que de mais nada se lembrava a partir dele, tinha começado igual aos outros, com as torradas acabadas de fazer e um último acenar de mão pela janela da cozinha ao filho mais novo que sempre lhe dizia adeus do banco de trás do carro.
Depois, talvez, se tenha dirigido à casa de banho para acabar a sua higiene matinal, mas havia um lapso perdido nesse curto período, como se o que se pudesse ser preenchido pela memória de outro dia , repetidos vezes sem conta, cabendo na perfeição no vazio que, entretanto, se formara.
Os médicos empenharam-se com algum sucesso, e ele, aos poucos foi recuperando , primeiro em pequeníssimos fragmentos, e depois em registos maiores, solta no seu pensamento, uma vida passada que poderia, talvez, não ser a dele.
João adormeceu no passeio, após uma noite de copos. Foi apanhado pelos bombeiros que o levaram ao hospital. Todo o tempo que lá permaneceu, não disse uma palavra.
Felizmente tinha um cartão com a sua fotografia no bolso, que revelava a indiscutível identificação.
Ele queria falar, mas não conseguia, para lhes dizer que não se chamava Pedro. Trataram-no dessa forma até ao final do tratamento, altura em que foi para o domicílio acompanhado da mulher, uma senhora que dizia ser sua esposa, mas que se lembrasse, nem sequer a conhecia. Tinha um vazio na cabeça com se existisse apenas há escassas horas.
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