Mais um #reparo, uma situação inusitada, ou impossível, ou improvável, não sei,
mas passou uma borboleta desesperada junto a mim.
Enquanto ia passando, contou-me que estava meia perdida naquele universo próprio dela,
onde as flores eram tantas e as árvores se juntavam de tal forma umas às outras,
que o aroma do sémen das plantas se dispersava e confundia no seu nariz de curta vida,
e ela, arreliadíssima com essa desorientação que a fazia desperdiçar um tempo precioso,
lhe baralhava os sentidos e a impedia de farejar como um cão farejador.
Ainda para mais, a criança pegou-lhe pelas asas,
destruindo mais de metade do pó de borboleta que a cobria, e acabou por a deixar cair das mãos.
A pobre ainda deu três voltas desnorteadas em queda livre, mas, felizmente, lá se recompôs,
mesmo antes dos seus olhos se espatifarem contra o chão.
Essa manobra infantil fê-la perder grande parte da leveza que tanto a ajudava em tudo,
e que ficou estampada no sorriso da criança, revelando-se em espanto e alegria inocente.
"Imagine", desabafava, agitada, " muni-me de humanidades idiotas,
e invejei a capacidade que tem a águia de se elevar nos céus e, com os seus olhos de lince,
perceber, lá das alturas, qual dos caminhos a seguir."
"a chuva, ao contrário daquela que ousa sair dos poemas, límpida e brilhante,
cheia de beleza enganadora, revelou-se perigosa, por isso me escondi debaixo de uma folha,
para não me aborrecer com o tempo perdido em voltas a mais, e de onde saí, atarantada,
tentando localizar as gotas de néctar contido nos cálices e nas pontas das pétalas,
isto se não chovesse mais."
E se era aquele o lugar ideal, o paraíso para os insetos mais bonitos do mundo,
por causa das suas protuberantes asas pintadas,
para todas as pessoas e também para os harmoniosos deuses que afinal pouco faziam para travar as intempéries.
Era mesmo coisa de borboleta, aborrecida com as horas que passavam, desnecessárias e lentas,
e que lhe afetavam as cores dos olhos minúsculos, acastanhados e raiados de azul.
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