O Jacinto perdeu o apetite.
O outro tinha saído pelo tempo das orquídeas em flor,
que assim ficaram, resistindo durante um mês, mais dia, menos dia, tranquilizando
transitoriamente a casa com as suas cores suaves e perfeitas.
Depois as flores começaram a secar, mirraram, uma por uma,
e caíram sobre a superfície das coisas, para cima do micro ondas,
sobre as prateleiras e sobre o chão, e assim se mantiveram durante muito tempo,
até o corpo do Jacinto começar a dançar dentro da roupa, como se ela pertencesse
a uma pessoa muito maior do que ele.
Quando chegava do trabalho, sentava-se no lugar que tinha abandonado antes de saír,
nem se dera ao luxo de deixar a cadeira alinhada e encostada à mesa, sentava-se a olhar, alternadamente para tudo, até para os seus próprios cotovelos, que apoiavam os braços onde repousava a cabeça que segurava entre as mãos.
Observava as pétalas a enrolarem-se dentro dos novelos de cotão que saíam dos cantos, e via a poeira a vibrar, ligeira, com a aragem que a janela provocava e depois tudo, tudo, rolava rapidamente, quase suspenso, conforme se levantasse mais ou menos brisa lá fora, no espaço exterior.
Os copos sujos mantinham-se quietos, nos dias sem movimento, ao pé dos outros desmazelos.
Ainda havia os comprimidos que o médico lhe havia receitado, específicos para as correntes de ar triste que se tinham formado no seu peito vazio.
Quando o outro saíra. levara com ele apenas alguma roupa metida numa mala, e entre as peças de roupa dobrada esse peso insuportável, que era a vontade que o outro tinha de o abandonar.
Já em nada se assemelhava ao companheiro de ontem, que ia palrando enquanto as rasava com o regador, na mão esquerda até ao fim da varanda.
Que pena não dominar a arte de lhes cortar, cautelosamente, as folhas secas,
esses pequenos grandes gestos, formas de amor silencioso, que as mantinha vivas e florescentes um ano após o outro.
Para onde tinha partido a sua fome?
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